Waltercio Caldas reconhece o olho como o principal órgão de percepção das artes visuais, mas não se contenta com o que ele pode oferecer. Talvez por isso suas obras se comportem como jogos ópticos.

O espectador da obra do artista carioca é sempre convidado a recriar seus modos de olhar. Para isso, deve contar com uma boa dose de humor, a ser descoberto em trabalhos como "Ping-Ping", que propõe uma partida pingue-pongue jogada por cegos; ou em "Maçãs Falsas", que desafia o espectador a descobrir quais são as maçãs reais e quais são as suas imagens em um labirinto de vidros e reflexos; ou em "Sala para Velázquez", que contém um livro sobre o pintor espanhol com imagens e textos reproduzidos fora de foco. As nove instalações expostas no Museu Vale – cinco inéditas no Brasil – precipitam "abismos para o olhar", segundo o curador Paulo Venâncio Filho.

ILEGÍVEL Reproduções desfocadas da tela de Velázquez dificultam a leitura

ISTOÉ – Um aspecto que conecta as obras expostas é o jogo com a percepção visual. Por que a visão?
Waltercio Caldas
– O principal órgão de percepção da arte é o olho. Pensamos através dos olhos. O pensamento é uma bela emoção, que se dá por meio da percepção visual do mundo. Não por acaso, nessa exposição dois aspectos estão bastante evidentes: o visual e o musical, que se completam.

ISTOÉ – "Quarto Azul" explora a pintura e a experiência pictórica através da cor?
Caldas –
Acho que não. Trato a cor como se fosse um objeto tridimensional. A parede branca não é suporte para a cor azul, mas é o corpo da obra. Na verdade, não trato a tridimensionalidade da imagem, mas sim da cor.

ISTOÉ – Como você se relaciona com a história da pintura?
Caldas –
A pintura, para mim, é um objeto muito opaco, em que o olho se fixa. Tenho um interesse nas coisas transparentes, que o olhar atravessa. O olhar vai e volta, não se fixa no objeto. Existe um aspecto lúdico na percepção e o objeto tem uma certa "saúde", uma capacidade de produzir novos significados dele mesmo. É como se, por vezes, a obra olhasse o espectador.

ISTOÉ – Por isso a referência à obra "Las Meninas", de Velázquez?
Caldas
– Exato. Essa é uma obra que olha para o espectador. Em "Livros sobre Velázquez", chamo a atenção não para a imagem reproduzida, mas para o objeto-livro, como reprodutor da obra do artista. O objeto é mais importante que a imagem.

ISTOÉ – Por quê?
Caldas –
Meus trabalhos resistem em se transformar em imagens. Eles querem ser coisas, antes de serem imagens. Não querem reproduzir coisas, querem ser a antirreprodução. Ao ser reproduzido, o objeto se torna opaco e perde sua natureza transparente. O mundo está sendo vendido às pessoas como se fosse imagem. Quero dizer justamente o oposto. Não quero me separar do jogo do mundo, mas jogá-lo com o suficiente distanciamento crítico para não me deixar levar pelos valores cínicos da aparência.

ISTOÉ – Que modos de olhar você abre para o espectador, além da contemplação?
Caldas
– A primeira coisa que me vem à cabeça é a palavra abismo. Olhar para a arte é compactuar com este abismo que há na frente, um desconhecido ativo que nos atrai e nos impele a encará-lo à revelia de nós mesmos. A função do artista é melhorar a qualidade do desconhecido.

Fernanda Assef, de Vitória

roteiros

Procura-se imigrante
A imigração na França: Pontos de Referência/ Memorial do Imigrante, SP/ até 8/11

Cartaz de Ghazel, em reação à carta de expulsão

Ao longo de cinco anos, entre 1997 e 2002, as paredes de Paris receberam uma série de cartazes que estampavam, em letras garrafais, a palavra "Urgente". Tratava-se, em realidade, de um cartaz do gênero "Procura-se", cujo texto dizia que uma mulher, de 31 anos, proveniente do Oriente Médio, procurava marido "não racista e compreensivo", "de nacionalidade europeia obrigatória, de preferência francesa".

O cartaz fez barulho na época, mas sua autora, a artista iraniana Ghazel, residente na França desde 1986, não chegou a ser deportada. "Apesar de ilegal e assustada, felizmente não tive problemas com a polícia", conta Ghazel, cujos cartazes estão na exposição "A Imigração na França: Pontos de Referência", no Memorial do Imigrante, em São Paulo.

Há quatro cartazes expostos: em dois deles, ela procura marido e nos outros dois, produzidos depois dos 40 anos e com a situação legalizada, oferece casamento a um imigrante ilegal.

Fotos de Darzacq documentam o subúrbio de Bobigny

Organizada no âmbito das comemorações do Ano da França no Brasil, a exposição é extremamente oportuna porque mostra que a França não é só o pais de Matisse, Rodin e Gainsbourg, mas é também dos imigrantes segregados nas periferias urbanas, dos jovens africanos que vivem no bairro de Barbès, em Paris, e de muitos artistas que decidiram fazer da imigração o tema de sua prática.

"A exposição vem provocar uma nova abordagem sobre a imigração e ampliar nossos pontos de vista. O olhar artístico enriquece os estudos sobre a imigração", afirma a museóloga Ana Vieira, diretora do Memorial do Imigrante, que ampliou seu antigo foco sobre a imigração de massa no século XIX para a imigração contemporânea.

A mostra traz videoinstalações e fotografias de 13 artistas contemporâneos residentes na França, todas pertencentes à coleção da Cité Nationale de L’Histoire de L’Immigration, de Paris.

Entre os artistas figuram Melik Ohanian, que apresentou uma obra na 26ª Bienal de São Paulo, o fotógrafo Denis Darzacq e a artista Zineb Sedira, que realiza um trabalho autobiográfico sobre os fluxos de migração de sua família: da Argélia para a França e depois para a Inglaterra.