David Bowie nunca envelheceu. Em muitos aspectos, sendo o artístico de longe o mais importante. Bowie permaneceu jovem, ironicamente ao contrário do vampiro John, seu personagem no filme “Fome de Viver”. Não consigo pensar em nenhum outro músico deste planeta que tenha reinventado, renovado e revolucionado a si mesmo (e à sua música) com tanta eficiência e precisão. Essa eterna juventude provavelmente tornou muito mais difícil sua perda. Sofremos mais porque é contra a natureza morrer sem ter envelhecido.

Mas o Camaleão do Rock tinha uma natureza própria. Não é só que ele estava à frente do tempo, como muito se disse. Ele conseguia enxergar o mundo de um outro lugar, como se de fato fosse esse ser espacial que alguns dizem ter “voltado para casa”, o “Starman”, a persona intergaláctica que perpassou alguns de seus melhores discos.

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STARMAN
Persona intergaláctica perpassa alguns dos melhores álbuns do cantor inglês
David Bowie, que morreu no domingo 10, aos 69 anos, em decorrência de um
câncer no fígado, causando comoção entre fãs de muitas gerações em todo o mundo

Ele foi o arlequin interestrelar do rock, uma grande supernova, um brilho que quando pensávamos ter conseguido captar no campo de visão mudava de forma, de cor, de frequência, de possibilidades. Porque essa era a sua natureza, a natureza de um verdadeiro mutante.

O disco “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars”, de 1972, foi uma pedra angular na história da música. Nada mais seria como antes – Rita Lee teve uma jaguatirica que chamava de Ziggy Stardust. Toda a cultura pop passou a olhar para a ficção científica de uma nova maneira. Uma maneira mais poética, elegante, sofisticada. À maneira de Bowie.

É emocionante testemunhar o luto colorido unindo tantas gerações em torno de tão polifônica voz. Antena da mudança dos tempos, Bowie se eternizou dentro do seu constante, incansável e imprevisível senso de inovação. Nunca teremos seu tamanho, sua luz, sua voltagem. Todo esse balé sideral que culminou na despedida incrível de seu último disco, “Black Star”, não existiria sem Bowie, mas também não morre com ele. Afinal, todos nós um dia voltaremos àquilo do que somos feitos, ao pó de estrelas.

Arnaldo Baptista é cantor, compositor e um dos fundadores dos Mutantes, ao lado de Rita Lee e de Sérgio Dias.
Foto: Gabo Morales/Folhapress