Nos últimos anos se tornou mundialmente conhecida a capacidade de se comunicar do presidente americano Barack Obama. Sem recorrer a trejeitos populistas, o homem mais poderoso do planeta fala a mesma língua dos mortais, se coloca com clareza sobre os temas debatidos nas mesas de bares e transparece sofrer com as angústias idênticas àquelas que atormentam os cidadãos comuns. São virtudes aparentemente – apenas aparentemente – triviais, mas que não encontramos nos líderes encastelados ao sul do Equador. E são virtudes que fazem a diferença na luta pela construção de uma sociedade melhor. Na semana passada, mais uma vez Obama deu um show. E, embora esteja muito longe de ser um apaixonado pela política americana, admito que fiquei com inveja por não ter um presidente assim. Diante de pais que perderam filhos inocentes feridos pelos disparos de armas de fogo, Obama chorou ao anunciar uma série de medidas para restringir a compra de armamento nos EUA. Marqueteiras ou não, as lágrimas do presidente tocaram uma das questões mais sensíveis da sociedade americana. Nos EUA, a segunda emenda da constituição assegura o direito aos americanos de poderem comprar qualquer tipo de arma para defesa própria ou de suas propriedades. Estima-se que em cada domicílio dos EUA exista pelo menos uma arma de fogo. O poder econômico e a influência política da indústria bélica no país são enormes. No Parlamento, a maioria republicana e até boa parte da minoria democrata não admite sequer discutir qualquer argumento que possa levar à flexibilização da segunda emenda constitucional. E, entre os eleitores, apesar do crescente número de inocentes vítimas de malucos armados, o tema ainda é tido como impopular.

Em ano eleitoral, as decisões e o pronunciamento de Obama ganharam ainda maior ênfase. Analistas são unânimes ao afirmar que a mais provável candidata democrata, Hillary Clinton, perde pontos com o posicionamento de Obama. Ao se manifestar como fez, o presidente levou para o centro da campanha um tema que aproxima os republicanos – seus adversários – do eleitorado. Uma postura que os magos marqueteiros jamais recomendariam. É verdade que Obama não será candidato, mas qual o presidente dos EUA que não faz das tripas coração para eleger o sucessor?

O que explica a minha inveja por não ter alguém como Obama na condução do Brasil é que, na verdade, o que vimos na semana passada foi a ação de um líder preocupado efetivamente com a construção de uma sociedade melhor. Esse líder falou mais alto do que o político interessado em conquistar ou se manter no poder a qualquer preço. A ação de Obama deixa cristalino o fato de que não existe transformação possível onde impera o “vale tudo para ganhar uma eleição” ou “o fazer o diabo para se manter no cargo.” A construção de uma sociedade melhor, com mais oportunidade e respeito a todos, implica necessariamente a ruptura de valores e comportamentos que não mais atendam aos interesses dos cidadãos, embora possam ser tão antigos e enraizados quanto à segunda emenda da constituição americana que data de 1791. Jamais quem está disposto ao vale tudo para ganhar a eleição ou é adepto do fazer o diabo para se manter no poder poderia tomar uma atitude como a de Obama.