É o lado B da crise. Com o dólar altíssimo, em torno de quatro reais, 9 entre 10 brasileiros resolveram fazer turismo interno neste verão, segundo levantamento do Ministério do Turismo, divulgado na semana passada. Este é o maior índice da última década (leia quadro). Por consequência, o tour doméstico injeta dinheiro na economia e leva os viajantes a se deslumbrarem com o próprio País, descobrindo lugares pouco explorados. Como Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, que recebeu 25% a mais de turistas de dezembro para cá – a previsão de aumento nos faturamentos das vinícolas de lá é de 10%. Como estes novos números, o município se consagra entre os dez destinos turísticos mais competitivos do País, segundo o Ministério. Já o Rio de Janeiro, que encabeça o ranking, vê seu potencial beirar os 100%. Essa é a taxa de ocupação dos hotéis cinco estrelas na orla, no réveillon. Bares e restaurantes do Leblon, bairro da zona sul, chegaram a registrar aumento de 50%, de acordo com o Sindicato de Hoteis, Bares e Restaurantes do Rio. De modo geral, o aumento médio no movimento nos endereços de comidas e bebidas foi de 15% a partir do dia 20 de dezembro. E todos comemoram.

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PANORÂMICA
Visitantes desfrutam das belezas naturais de São Miguel dos Milagres (AL):
brasileiros estão descobrindo novos destinos

O empresário carioca Ronaldo Porto, 30 anos, por exemplo, acabou descortinando um lugar que pouca gente ouve falar e que ele adorou: São Miguel dos Milagres, uma pequena cidade no litoral alagoano, fora da rota tradicional de veraneio. “Confesso que jamais teria pensado em ir pra Alagoas se não fosse o dólar alto, mas acabou sendo super positivo”, afirmou ele, que era frequentador assíduo da Disney e de Nova York, mas, quando somou os custos, viu que iria gastar quase R$ 12 mil para ir aos Estados Unidos nestas férias e mudou o rumo. No nordeste, a região mais procurada pelos turistas nacionais, com 37% da demanda, a Bahia é o estado mais cobiçado. Ali não há novidade nos endereços mais procurados: a Praia do Forte e Trancoso esgotaram completamente a lotação nos hoteis no fim do ano. As cidades de Porto Seguro e Salvador têm, nos dias atuais, 95% dos leitos preenchidos, garante a Associação da Indústria de Hotéis da Bahia.

Na região sul do País, o aumento de turistas nacionais não se restringe à área dos vinhedos gaúchos. Em Santa Catarina, até cidades sem praias estão com um número elevado de ocupação, como Blumenau, município próximo à Serra do Itajaí, cuja demanda passou de 50% para 80%. Já na faixa litorânea do estado, a mais cobiçada, em cidades como Barra Velha, a diferença em relação ao mesmo período no ano passado é de inacreditáveis 70% a mais. No Paraná, os hotéis do segmento de luxo de Foz do Iguaçu registram média de 90% dos quartos ocupados. O número de argentinos e paraguaios, vizinhos ao município, triplicou em comparação ao verão passado chegando a 30% dos turistas na cidade que já contabiliza 37 mil visitantes neste verão. Em São Paulo, após um segundo semestre em baixa, os veranistas lotaram os hotéis da Baixada Santista e os resorts de luxo próximos à capital registram ocupação na faixa dos 90%.

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LUCRO
Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, que recebeu 25% a mais de turistas de dezembro para cá

Em entrevista à ISTOÉ, o Ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, admitiu que “não gostaria que a causa (do sucesso do segmento) fosse essa (a crise)”, pelos impactos negativos na economia, mas “pelo menos” cria um espaço para fazer crescer o turismo. “A partir dessa experiência, espero que se crie a cultura entre hotéis, agências e restaurantes de que vale a pena cobrar menos para atrair mais. E que o brasileiro possa descobrir o próprio país, vendo que vale a pena ficar aqui, não só pela moeda, mas porque temos serviços de qualidade”. A consultora carioca Virna Elias, de 36 anos, já descobriu. Ela mantinha uma média de duas a três viagens internacionais por ano, mas tudo mudou em 2015. Virna planejava ir à Inglaterra, mas vai para Recife. “O valor que eu gastaria sozinha em Londres vai dar para viajar com meus pais para o nordeste. Ficaremos em um hotel muito mais confortável e com carro alugado por uma semana para passear pela região. Acabou que será uma experiência mais agradável e gastando menos.”

Outra novidade impulsionada pelo momento econômico é a troca do avião pelo carro. A opção pelo automóvel aumentou 8,6%, enquanto a escolha por viajar de avião caiu 8,9% entre os brasileiros em geral. O aumento no interesse pelos destinos nacionais se deu principalmente entre pessoas de até 35 anos. O turista estrangeiro também está sendo atraído pelo real desvalorizado. A média de ocupação de hóspedes internacionais nos hotéis da orla carioca, que era de 40% pulou para 55%, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH). “Uma única empresa americana está organizando a viagem de mil pessoas ao Rio. Isso não acontecia há muito tempo na cidade”, conta o presidente regional da ABIH Alfredo Lopes.

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Fotos: Divulgação; ERNESTO RODRIGUES/ESTADÃO