Começou a guerra judicial. O diretor do filme Chatô, O Rei do Brasil, Guilherme Fontes, ainda não foi notificado, mas será em breve. Os herdeiros do empresário da comunicação Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello (1892-1968), deram o primeiro tiro, um processo civil pedindo reparação pelo “linchamento moral” do patriarca no longa, conforme disse à ISTOÉ o neto Philippe Bandeira de Mello. Na sequência, virá o processo criminal, “por difamação contra o morto”, e o pedido de indenização, adiantou o advogado da família, Fredímio Biasotto Trotta, que aguardava apenas o fim do recesso da Justiça, na semana passada, para entrar com os processos. “Queria saber o que ele entende sobre licença poética. Podemos fazer um filme sobre a mãe dele e usar a licença poética para dizer que ela foi prostituta?”, questiona Mello, referindo-se ao diretor. “Fiz uma obra de ficção. O Chatô são vários personagens, eu mostro um. É como pintar um quadro, é como Guernica, que é a visão de (Pablo) Picasso (1881/1973) sobre a guerra espanhola. Eles têm que fazer o filme deles, com a imagem que eles acham que é a correta do Chatô”, rebate Fontes.

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Mello é o mais velho dos quatros netos do magnata e o único que conviveu com o avô antes e depois da trombose que o matou. “Ele era polêmico, não era um santo. Mas também tinha muitas qualidades. Era um militante da sociedade, defendia as coisas brasileiras, era interessado em socializar arte e cultura, unir o norte e o sul do Brasil, educar as crianças. Nada dessa imagem existe no filme”, diz o neto. Pesquisador e psicólogo, Mello, carioca de 60 anos, diz que os danos morais causados pelo longa atingem toda a família e até o Brasil, “porque fere a história”. E cita uma cena “absurda” em que Chatô ameaçaria o presidente Getúlio Vargas (1882-1954) com uma peixeira. “Isso nunca existiu. Mas quem vai ao cinema ver o filme acredita que aconteceu. Torce a história, portanto.” Fontes diz que o longa é uma ficção inspirada no livro homônimo de Fernando Morais. O escritor, por sua vez, foi menos sutil e atirou de volta. “Os herdeiros de Chatô talvez não saibam, mas a ditadura acabou há trinta anos e, com ela, felizmente, a censura”, postou em sua página do Facebook.

O advogado Trotta comenta outras passagens que configuram, segundo ele e a família de Chatô, calúnia e difamação. Uma delas é a insinuação de que Chateaubriand era pedófilo por ter se casado, aos 42 anos, com uma adolescente de 16. Dessa vez, é Fontes que acha um absurdo a interpretação. “Essa insinuação não existe. É fato que ele se casou com uma adolescente quando tinha mais de 40, mas isso era uma coisa muito comum na época. Muitos faziam isso e ninguém era chamado de pedófilo.” Cenas da noite de núpcias de Chatô com Cora Acuña (interpretada por Leandra Leal) seriam ofensivas à segunda mulher do empresário, que é vista fugindo do marido a noite toda. “Um dia, com um cinto, ele praticamente estupra a mulher. Na cena seguinte, aparece Dona Cora com um bebê no colo. Ou seja: insinua-se que a Teresa é filha de um estupro”, diz o advogado. Ele aponta mais uma cena conflitante. “Uma mão com luva põe uma arma na mão do Getúlio (Vargas), que rapidamente se suicida. Logo depois, vem a imagem de Chateaubriand dando uma festa, e contente com a partida do Getúlio. Tudo muito sutil”, diz Trotta. “Não existe isso de insinuar que Chatô matou o Vargas!”, rebate Fontes.

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“O meu filme é muito mais do que uma obra sobre o próprio Chatô. É uma visão geral sobre a mídia”, diz o diretor. Chateaubriand, vale lembrar, construiu um império de comunicações entre as décadas de 1930 e 1960, que incluía a TV Tupi e 11 estações de televisão, 14 rádios e os Diários Associados, com quase 30 jornais. O longa sobre ele demorou 20 anos para ser concluído e o diretor foi processado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que cobra R$ 78 milhões – que seriam os R$ 8,6 milhões captados por Fontes na época, com juros e correções. “Meu caso foi inusitado, foi solicitado uma prestação de contas antes de o filme ficar pronto. Mas, finalmente, a obra foi entregue”, diz Fontes, que recorre da ação. A família também se prepara para barrar a minissérie que ele pretende fazer para a TV, como fez com uma peça escrita pela dramaturga Maria Adelaide do Amaral sobre Chatô e que estrearia em março, em São Paulo. “Notificamos a Time for Fun (empresa de entretenimento que participaria do projeto), que abortou o projeto”, diz o advogado.

Fotos: Stefano Martini; Antônio Gaudério/Folhapress