Quando foi inaugurado, em 1901, o edifício de arquitetura inglesa que abriga a Estação da Luz, no Centro de São Paulo, representava a pujança e era motivo de orgulho aos barões do café. Em 2006, quando foi inaugurado, no mesmo edifício, o Museu da Língua Portuguesa, foram os paulistanos que se orgulharam de possuir o primeiro museu dedicado a uma língua no mundo. A importância de um local como esse, no entanto, não foi suficiente para mudar o tratamento que o poder público no Brasil continua dispensando à segurança com seu patrimônio histórico. Na segunda-feira 21, um incêndio de grandes proporções destruiu parte da Estação da Luz onde fica o museu. O local estava fechado para o público, mas as chamas fizeram uma vítima fatal, o bombeiro Ronaldo Pereira da Cruz, 39 anos. Até o fechamento desta edição, a hipótese mais provável é a de que o fogo tenha sido provocado por um curto circuito causado pela troca de uma luminária.
O mais absurdo é que, mesmo funcionando há quase dez anos, o centro cultural não tinha Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) nem alvará de funcionamento. Os documentos estão em processo de regularização. O secretário estadual de Cultura, Marcelo Mattos Araujo, afirmou que o espaço tinha todos os equipamentos de segurança necessários, mas estava sem alvará por se tratar de uma questão complexa, já que o museu está em um prédio histórico e compartilhado com a Estação da Luz.

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FATALIDADE
São Paulo, segunda-feira 21: fogo consome parte do Museu da Língua Portuguesa

Para José Carlos Tomina, superintendente do Comitê Brasileiro de Segurança Contra Incêndio da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), esse não é um argumento plausível. “Quando se trata de edifícios tombados é, de fato, mais difícil mexer na arquitetura e seguir as medidas de segurança na íntegra.” Mas há diversas alternativas, segundo o especialista. “Digamos que a luminária que causou o curto circuito estivesse fixa em um forro de madeira, considerado combustível. Não é possível mudar o forro, mas ela poderia estar afastada da madeira ou com uma placa de outro material no meio.” Além disso, um princípio de incêndio está sujeito a acontecer a todo momento – o que deve ser evitada é a propagação do fogo. E o Brasil deixa a desejar nessa área da segurança. Anualmente, são cerca de 300 mil ocorrências de incêndios em todo o País. Um dos mais importantes do País, o museu tem uma proposta de exposições interativas e tecnológicas, por isso conta com um amplo acervo digital que possui cópias. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, disse que vai mobilizar esforços para a reconstrução do edifício histórico. “Vamos imediatamente tomar todas as providências, unir a iniciativa privada e nossos parceiros”, afirmou.

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Um pequeno incêndio surge de uma falha simples. Um grande, como o que aconteceu no Museu da Língua Portuguesa, de uma cadeia de falhas: o fogo encontrou um ambiente para se propagar, não houve detecção e combate imediatos e os bombeiros, quando chegaram, já encontraram a tragédia em grandes proporções. Tomina aponta a necessidade de se juntarem esforços municipais, estaduais e federais para evitar que novos incêndios aconteçam e comprometam edifícios que fazem parte da história e da cultura brasileira. “É preciso trabalhar na prevenção e fazer mais vistorias. Tanto em museus que já existem quanto nos que estão em reforma. Se isso não for feito, é como se estivéssemos apenas esperando pelo próximo desastre.”

Foto: NILTON FUKUDA/AE