O oftalmologista Claudio Lottemberg raramente é visto sem gravata.  Não abre mão do figurino, seja em suas 18 clínicas oftalmológicas em São Paulo, seja nos corredores do Hospital Israelita Albert Einstein, que preside há 14 anos. Ele não usa branco. O terno é habitual. E a gravata, imprescindível. Há quem pense que seja uma formalidade, mas o motivo é afetivo. Seu pai, Marcos Lottemberg, economista e contador que nasceu na Rússia, foi criado no Brasil e morreu há 25 anos, era um meticuloso gravateiro. Tinha a fábrica de gravatas Ravel, negócio que sustentou, entre outras coisas, os estudos de medicina do filho. “Convivi 30 anos da minha vida com ele. Usar gravata é uma homenagem ao meu pai”, diz o médico de 54 anos. “Ele deixava os nós prontos para mim. A primeira vez que fiz meu próprio nó de gravata foi no dia do seu enterro. Fez sentido. Foi como começar a própria vida e construir como meu pai construía.” Lottemberg diz ter aprendido com o pai valores que regem sua vida e o trabalho à frente de um dos maiores hospitais da América Latina.

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FORMAÇÃO
”Queremos formar líderes em saúde. Um médico pode fazer mais”

“A primeira coisa que alguém deve pensar quando tem um desafio é ter convicção de que o faz movido por paixão e por algo que seja justo e importante para quem consome”, diz Lottemberg. “É preciso enxergar quem você atende.” Com essa visão, ele comanda o gigante Einsten. O complexo hospitalar tem capacidade para 200 mil pacientes/dia. São 15 mil colaboradores/funcionários, 630 leitos, 8 mil médicos cadastrados (1.500 deles contratados) e 3 000 transplantes realizados nos últimos 13 anos.  Com oito unidades de saúde, a instituição gere ainda dois hospitais públicos em São Paulo (o M’Boi Mirim, desde 2008, e o Vila Santa Catarina, há três meses), com quase o mesmo número de leitos do Einstein. A novidade para 2016 é a nova faculdade de medicina de São Paulo. Em 17 de fevereiro, Lottemberg dará a aula inaugural aos 50 primeiros alunos da Faculdade de Medicina Albert Einstein. Um campus será construído com investimento de R$ 350 milhões até 2019. A aposta é por um currículo diferente. “Queremos formar líderes em saúde”, diz. “O exercício da liderança é dar exemplo. Um médico pode fazer mais.” No vestibular, o candidato, além de fazer as provas, é entrevistado. “Um médico pode ser bom tecnicamente, mas não atender, no relacionamento, o que julgamos importante.” Ele reconhece que a frieza é realidade nos pronto-socorros. “Infelizmente é verdade”, diz. “Temos médicos tratando mais as doenças e menos os doentes”

2016 será o último ano de Lottemberg à frente do Einstein. “A gente não vê a vida dos filhos da gente até o final da vida deles”, sorri. A vida pública pode ser um caminho. Mas, nada definido. “Me orgulho de ter expandido nossa responsabilidade social.” Ele trabalha para mudar a visão de que o Einstein seja um hospital da elite. O médico buscou isso nos quatro valores da sociedade beneficente que deu origem ao Einsten: saúde, ensinamento, justiça social e ações positivas.  “Não dá para trabalhar assim se atendêssemos só uma elite", diz. “Nossa instituição tem um braço significativo no número de leitos e de pacientes-dia para uma população que é SUS-dependente.” 

Ex-secretário municipal de saúde no governo José Serra em 2005, Lottemberg vê a saúde no Brasil sem estratégia. “Negar os avanços do SUS é bobagem. Mas o País podia andar para frente mais rápido.” Para ele, falta um plano diretor que independa dos governos. “Teríamos que ter resolvido o problema da dengue há tempos. O Zika vai vir. Não bastam ações compensatórias. É preciso uma linha estruturante”, diz. Ele vê a necessidade de um plano de tecnologia da informação. E defende mais parcerias público-privadas na saúde. “Temos que entender que o sistema é único: público e privado. E o privado pode participar mais.”

O estilo dinâmico de Claudio Lottemberg aparece na forma de comandar e se relacionar. “Sou emotivo, visceral, mas sei voltar atrás e pedir desculpas”, diz. No episódio em que o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi hostilizado dentro do Einstein, Lottemberg protestou. “Foi uma manifestação num local impróprio, um ambiente hospitalar, de forma imprópria. Não só não gostei como fiz questão de expressar: aqui não”, relata. “Não defendo o Mantega, defendo respeito ao ser humano.” Lottemberg volta a identificar os valores do pai no seu jeito de ser. “Ele era atencioso com todos, não fazia distinção. Gostava da vida pública”, conta. O presidente do Einstein não tem mais uma gravata Ravel. "Mas guardo um paletó e a camisa que o pai vestia no dia em que morreu", conta ele, que acorda às cinco da manhã para se exercitar e tomar café com os três filhos e os dois enteados.  E nunca perde o costume de presentear amigos com gravatas. Para Lottemberg, isso é, sim, coisa de médico.