Na oitava rodada do Campeonato Brasileiro de 2015, o Corinthians ocupava o sétimo lugar na tabela de classificação, os jogadores não recebiam salário há três meses, a equipe tinha acabado de ser eliminada da Taça Libertadores pelo inexpressivo Guaraní, do Paraguai, e as duas principais estrelas corintianas, Paolo Guerrero e Emerson Sheik, estavam prestes a deixar o clube. Àquela altura, o futuro do time era um enorme ponto de interrogação. Para os comentaristas esportivos, embora o ano estivesse apenas na metade, o Corinthians não tinha mais o que fazer na temporada. Muita gente pensava assim – até jogadores, dirigentes e a própria torcida –, mas uma única pessoa não deixou que o desânimo arruinasse tudo. Mais do que isso: ela transformou a crise em combustível, levando o alvinegro a fazer a melhor campanha de um time na história do Campeonato Brasileiro por pontos corridos, jogando um futebol envolvente, de rara eficiência tática, e fazendo com que o País inteiro, e não apenas os corintianos, se curvasse diante de seu extraordinário trabalho. O nome desta figura é Adenor Leonardo Bacchi, mas todo mundo o conhece por Tite.

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EM EQUIPE
Ele não quis receber salário enquanto a diretoria não pagasse a dívida com os jogadores

Escolhido por ISTOÉ o Brasileiro do Ano do Esporte, Tite é, de longe, o treinador mais original e competente do futebol brasileiro. Num País ainda traumatizado pela ridícula campanha na Copa, é um alívio observar um profissional fazer algo diferente por esse esporte. “Tenho sido reconhecido pelo ano que tive no Corinthians, mas o título é resultado do trabalho de muita gente”, diz o técnico. Não se trata de falsa modéstia. Tite faz de tudo para não chamar as conquistas para si, para não personalizar feitos que, diz ele, devem ser atribuídos ao grupo, à força coletiva. Atitudes desse tipo são raras no meio do futebol, em que as vaidades pessoais se sobrepõem ao espírito de equipe. “O Tite não é o tipo de pessoa que gosta de ser mais estrela que o jogador”, disse em uma entrevista recente o meio-campista Elias, um dos pilares da equipe. “Ele trata todo mundo de maneira igual, oferece oportunidades para todos os jogadores e não deixa ninguém pensar que não é útil para o time.” Durante o Brasileiro, onze atletas diferentes foram capitães do Corinthians, o que reforça o peso que o técnico dá para o trabalho em equipe.

Um episódio singular marcou a transição de time deprimido para um grupo campeão. No período mais crítico do ano, pouco depois da eliminação na Libertadores, Tite procurou a diretoria para fazer um pedido que soava estranho: ele não queria receber salário enquanto os jogadores também não recebessem. Assim, mostrou que não estava acima de ninguém e que faria qualquer esforço em prol de um objetivo maior – a conquista do Brasileiro. Depois do diálogo com a presidência, Tite foi aos jogadores e exigiu o mesmo comprometimento. Argumentou que o sacrifício valeria a pena, que confiava no clube e, acima de tudo, acreditava naquele grupo de jogadores. “Eu sei o que é esse time, o que representa para milhões de torcedores, e espero que vocês também saibam”, disse o treinador. “Quem ficar, quem acreditar, será recompensado. Palavra de um campeão mundial.” Ele, que já havia erguido a taça de campeão do mundo pelo clube em 2012, estava certo. Depois disso, o time não seria mais o mesmo. O grupo abraçou o técnico, os jogadores passaram a correr mais, a torcida voltou a acreditar, e o resultado foi a conquista do sexto título brasileiro da história do Corinthians.

Tite é mesmo um sujeito bacana. Na vida pessoal, detesta ostentação e é muito ligado à família. Vive citando a esposa Rosmari nas entrevistas e trouxe o filho, Matheus, para ser seu auxiliar técnico no Corinthians. A outra filha, Gabriele, estuda nutrição em Porto Alegre. Para relaxar, o técnico gosta de ir ao cinema. Nessas ocasiões, usa boné para tentar não ser reconhecido. O último filme que viu foi “O Passado Me Condena”, no Shopping Anália Franco, na zona leste de São Paulo, numa quinta-feira à noite logo após a rodada de meio de semana do Campeonato Brasileiro. Mesmo nas horas vagas, é obcecado por futebol. Atualmente, em plenas férias, está lendo quatro livros ligados ao esporte, como “Mourinho Rockstar”, uma biografia do técnico português, e “40 Dias com a Campeã do Mundo”, sobre os bastidores da conquista da Copa do Mundo de 2014 pela Alemanha. A julgar pelo seu nível de dedicação, a torcida corintiana tem motivos de sobra para sonhar com mais títulos em 2016.