"O que as operações Lava Jato e Zelotes revelam me faz pensar naquele último plano aéreo do "Tropa de Elite 2", quando o capitão Nascimento (Wagner Moura) fala que as favelas existem por causa da corrupção que sempre houve no Brasil, e a câmara vai se aproximando do Congresso Nacional”, diz José Padilha, roteirista e diretor dos filmes homônimos, de 2007 e 2010, que arrebataram prêmios no Brasil e fora dele. O cineasta demonstra grande revolta com as descobertas de tantas transações escusas no País, mas aponta um lado positivo. “Os ladrões vão pensar cinco vezes antes de roubar porque agora sabem que tem um custo.” O sistema político corrupto continua como pano de fundo de seu último trabalho exibido no País, e com grande repercussão internacional, a série "Narcos", lançada este ano pela Netflix, sobre o traficante colombiano Pablo Escobar (1949-1993). "Narcos" e seu protagonista, Wagner Moura, foram indicados a prêmios do Globo de Ouro nas categorias “série” e “melhor ator”, respectivamente. Pela qualidade e repercussão de mais este trabalho, José Padilha, 48 anos, é o "Brasileiro do Ano" na área de Cultura. De Los Angeles, nos Estados Unidos, onde mora atualmente, ele conversou por telefone com ISTOÉ.

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SUCESSO
José Padilha: ”Foi difícil filmar ‘Narcos’, mas fizemos”

Quem bate palmas para Narcos não sabe o quanto o cineasta se estressou e sofreu para realizá-lo. “Foi muito difícil. Para começar, foi a primeira grande produção na Colômbia. Quando cheguei a Bogotá, a produção tinha montado uma ‘estrutura McDonald’ de fazer televisão, não pelo Netflix, mas pelo outro estúdio, que acabou sendo desmontado. Foi difícil, mas fizemos.” Essa foi a segunda experiência como diretor com parceria americana. A primeira foi RoboCop, em 2014. “Aqui nos Estados Unidos, se você briga e consegue dar certo, conquista a liberdade criativa e espaço.”

Para o ano que vem, Padilha já tem projetos engatilhados em solo americano, além de supervisionar a segunda temporada de Narcos. Um deles é finalizar o roteiro de Mindcorp, filme de ficção científica para a Warner Bros. Também vai formatar uma série sobre o sistema prisional americano para a rede de canais de TV por assinatura Showtime. O cineasta não poupa os críticos de cinema brasileiros. “Eles têm, na maioria das vezes, uma visão superficial e boba do que é o sistema de estúdios de Hollywood. É que nem gringo pensando o carnaval.”

O cineasta compara a experiência profissional nos dois países. “No Brasil, por conta do processo cultural, eu escrevia o roteiro, produzia o filme, dirigia e montava. 100% das vezes, eu olhava para mim no espelho e perguntava: você quer fazer isso? E eu respondia para mim: quero, ou não quero. Nos EUA, até pela quantidade de dinheiro envolvido, você tem que brigar pelo que quer, atuar de maneira política e administrativa. Mas a diferença brutal é que aqui nos Estados Unidos existe a cultura da admiração por quem fez um negócio que deu certo, o vencedor. No Brasil é o contrário, querem derrubar você.”

Casado há 20 anos com a designer Jô Rezende, Padilha tem dois filhos: Guilherme, de 12 anos, biológico, e Rodrigo, de 23, primogênito de Jô. Carioca do Leblon, um dos bairros mais nobres do Rio de Janeiro, flamenguista, filho de pai industrial que fez pós-graduação em Houston (EUA), o cineasta diz que nunca se sentiu parte de classes sociais ou grupos porque abraçou, desde cedo, um pensamento do filósofo grego Sócrates (469 a.C/ 399 a.C): “Só sei que nada sei.” E se esforça para continuar na linha socrática que é, para ele, a base para o impulso criativo do ser humano.

Voltar a morar no Brasil, no momento, não está em seus planos. Resta aos brasileiros acompanhar belos trabalhos como a série "Narcos".