11/12/2015 - 20:00
Presidente do Banco Central no governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1997 e 1998, e integrante da equipe que formulou o Plano Real, Gustavo Franco é um dos economistas mais lúcidos do País.
Ex presidente do BC analisa o cenário econômico: ‘Nós estamos
vivendo o colapso financeiro do setor público’
Depois de deixar a carreira pública, fundou a Rio Bravo Investimentos, empresa especializada em serviços financeiros. Nos últimos meses, Franco se tornou um crítico contundente do governo Dilma Rousseff.
‘Se houver impeachment o Brasil terá passado por um caminho
tortuoso, mas será o caminho da virtude’
Nesta entrevista, ele fala sobre os erros da presidente na condução da política econômica, diz que as investigações contra a corrupção podem ajudar a construir um País melhor e defende, sem subterfúgios, o impeachment da chefe da nação. “Se o impeachment for feito de forma adequada, ele será um bom recomeço para o Brasil.”
‘O ministro Levy tem feito o possível dentro das limitações, que são grandes.
Dilma dá certo espaço para Levy, mas esse espaço é pequeno.’
O Brasil vive hoje uma das piores crises econômicas desde o Plano Real. Qual é a real dimensão dela?
É pior do que isso. Ao se confirmarem as quedas de PIB para este ano e o próximo, vai ser o pior biênio do PIB desde 1901 e 1902, quando os números sobre as contas nacionais se tornaram confiáveis. Talvez a famosa recessão de 1900 seja pior, mas não tem como documentar. Portanto, essa parece ser a campeã.
O que fez com que o País chegasse a esse ponto?
Isso é surpreendente. No passado, o Brasil passou por uma hiperinflação sem ter tido guerra, revolução, terremoto, o que já é muito estranho. Agora, vamos enfrentar uma depressão sem nenhuma tragédia desse tipo. Só uma sucessão inacreditável de erros explica o atual momento.
Quais foram os erros?
Começa de forma mais flagrante na escolha de modelo de petróleo. Curiosamente, a derrocada começa no momento que parecia ser o apogeu, quando vem o pré-sal. O governo imaginou que seria como a Venezuela, com o tesouro jorrando do subsolo, o que é o sonho de todo governante populista. É como se alguma mágica fizesse desaparecer todos os limites.
O governo começou a achar que poderia gastar à vontade, porque haveria dinheiro farto e disponível.
De repente, podia gastar o dinheiro. Ao mesmo tempo, o Brasil começou a contradizer cada um dos pressupostos do consenso de Washington, da economia convencional, que hoje o mundo inteiro aceita como a maneira certa de gerir os países. Então, nós começamos a fazer tudo ao contrário, como se a intenção fosse provar que o Brasil é diferente. Obviamente isso deu errado.
Quais são as diferenças da crise de hoje e a de 25 anos atrás?
Há 25 anos, tínhamos um grande solucionador de problemas, que era a inflação. Era uma maneira de tributar o pobre para pagar as contas que ninguém queria pagar. Hoje em dia, uma maneira de ver o que aconteceu é que nós não tributamos o pobre com a inflação, mas tributamos os nossos filhos e netos com dívidas. A criação excessiva de dívida hoje é como a criação excessiva de dinheiro há 25 anos.
O escândalo na Petrobras influenciou negativamente nos resultados da economia?
É preciso dizer que a Petrobras entrou em um processo de decadência em razão do modelo que se desenhou para a exploração do Pré-Sal. A Lava Jato é uma correção. Ela poderá ser uma grande faxina e deverá representar um marco na história do capitalismo brasileiro ao demarcar o que é o território da luz e o que é o território da corrupção. Eu preciso que o território da corrupção seja definido, para que o que se passa ali mereça todos os rigores da lei. Essa fronteira foi flexibilizada e acho que isso está muito claro na discussão sobre o impeachment.
Como assim?
Vejo o Palácio dizendo que fez a pedalada para não deixar de pagar os programas sociais, o que é uma confissão de crime. Não pode haver nenhuma tolerância em relação a isso. A Lava Jato é uma das grandes reformas que o País precisa, que é mudar o seu olhar sobre a corrupção.
A inflação deve fechar o ano em dois dígitos. Como isso pode influenciar o futuro econômico do País?
Eu acho que a inflação não é maior do que os nossos problemas. Nós estamos vivendo um colapso financeiro do setor público. Felizmente, isso não se expressa num descontrole absoluto da inflação. É apenas um nível, sim, elevado, inconsistente com o regime de metas, mas o Banco Central tem pouco a fazer em uma situação como essa, já que os fundamentos fiscais da economia estão errados.
Qual é a sua opinião sobre o trabalho que o ministro da Fazenda Joaquim Levy tem feito?
O ministro Levy tem feito o possível dentro de limitações, que são muito grandes. Continua sendo verdade que Dilma Rousseff é o ministro da Fazenda de si mesma. Ela dá certo espaço para Levy, mas esse espaço é pequeno. Dentro dessa margem, ele se movimenta com a competência possível.
É possível sair da crise?
Sim. Como saímos da hiperinflação, sairemos deste buraco também. Como não foi um terremoto, não é preciso uma reconstrução física. É só uma mudança de postura, que não é pequena nem fácil, mas factível.
O controle dos gastos públicos pode ser uma dessas saídas?
O mundo já experimentou crises que poderiam ser resolvidas com o aumento de gasto público. Só que esta é uma crise produzida pelo excesso. O remédio utilizado nos anos 30 para uma crise diferente foi o aumento do gasto público. Agora, o problema é o inverso. Trata-se de um endividamento fora de sintonia com a capacidade de o Brasil pagar. E não é para o exterior, é para nós mesmos.
O governo bate na tecla do ajuste fiscal. Ele é suficiente para resolver todos os nossos problemas?
É mais do que simplesmente ajuste fiscal. Quando se combateu a hiperinflação com o Plano Real, o chamado ajuste fiscal era parte da coisa. Uma parte essencial, necessária, mas não todo o assunto. Na ocasião, diversas iniciativas na área fiscal foram feitas, que talvez a gente pudesse definir com o adjetivo “estruturante”. Consertar os bancos, a Lei de Responsabilidade Fiscal, essas medidas todas criaram limites, que colocaram o Brasil em um patamar institucional diferente no tocante a gestões de finanças públicas.
Isso tudo foi perdido?
O problema é que, agora, não nos livramos de excessos populistas, uma doença da qual estamos padecendo agora. Outro aspecto interessante do nosso problema é que, de 2007 para cá, a tentativa de reinventar o capitalismo no Brasil tem um componente que se parece muito com o que se observa na China e na Rússia. Nesses países, a definição para o que se passa ali é “capitalismo de quadrilhas”.
O que vem a ser isso?
É uma degeneração do sistema que considera que, no capitalismo, vale tudo e os favores do governo são mercantilizados. São os regimes governados pela corrupção, onde o público e o privado se misturam de um jeito espúrio. A corrupção passa a fazer parte do dia a dia do sistema. O desembarque desse modelo no Brasil criou uma série de tensões com as instituições brasileiras.
Mas no Brasil as instituições ainda funcionam.
Na verdade, o Brasil está rejeitando esse modelo de capitalismo. Os julgamentos do Mensalão e do Petrolão, bem como ações do Tribunal de Contas e outros órgãos de controle do setor público, estão sinalizando que esse modelo não é compatível com o nosso DNA. Portanto, o que nós estamos vendo é uma crise muito mais ampla. O problema não é ajuste fiscal, é a rejeição de um modelo de relacionamento entre o público e o privado
O senhor defende o impeachment da presidente Dilma Rousseff?
Impeachment nunca é simples. O modo de fazer é muito importante para o olhar externo e, principalmente, para que nós, brasileiros, tenhamos segurança do que estamos fazendo. Se isso for feito de forma adequada, sim, o impeachment pode ser um bom recomeço. A trajetória nos últimos anos foi a pior possível, inclusive por ter partido de um momento bom da economia, quando o País tinha expectativas positivas para o futuro. Subitamente, esse futuro foi extraviado do País por uma sucessão de erros.
A discussão do impeachment traz que mensagem para a sociedade?
Ela envia uma mensagem muito importante para prefeitos, governadores e todos os brasileiros que trabalham na intersecção entre a esfera pública e privada. O impeachment pode ser um grande divisor de águas. Para o resto da vida nós vamos ter, talvez, uma postura diferente sobre como gerir o dinheiro público.
Quais são as perspectivas para o Brasil nos próximos anos?
Se houver impeachment nos próximos seis meses e um governo de transição para completar o mandato nos termos do programa do PMDB, nessa hipótese as perspectivas são muito boas. Os mercados estão agindo de forma muito positiva com relação a isso. O Brasil estaria de novo diante de seu futuro. Terá , assim, passado por um caminho tortuoso, mas terá sido o caminho da virtude.