"Macbeth” é a tragédia mais curta e também uma das mais perturbadoras de William Shakespeare sobre a viralidade do mal. Escrita em 1607, a peça extraiu atuações inesquecíveis no cinema, provando que o texto da era vitoriana permanece atual e vigoroso. Encarnaram o general que vira rei Orson Welles (no filme dirigido pelo próprio, em 1948), Sean Connery (em 1961) e Charlton Heston (em 1947). Mas “Macbeth: Ambição e Guerra”, que estreia na quinta-feira 24, difere-se de todos os anteriores pelo foco. No lugar das cenas palacianas onde o poder é o centro de gravidade, a nova leitura coloca lente de aumento no relacionamento doentio de seus protagonistas, Lord e Lady Macbeth, vividos por Michael Fassbender e Marion Cotillard.

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LUTA
Michael Fassbender como Macbeth, antes de dar o golpe no
rei da Escócia: movido pelo trauma de guerra

A sequência de abertura, com a imagem de uma criança morta sendo enterrada, desaparecendo a cada pá de terra lançada sobre o seu rosto, prende o público nas poltronas. O sofrimento, estampado no rosto dos pais, Macbeth e Lady Macbeth, marcam o início da cortante descida ao inferno do casal. Fassbender e Cottilard – atores experientes e no auge de suas carreiras – aceitaram, mas não sem medo o desafio de levar para as telas essa versão proposta pelo diretor australiano Justin Kurzel, um mergulho na intimidade culpada e infeliz dos reis assassinos. Aplaudidos no Festival de Cannes, os atores se tornaram grandes apostas para as estatuetas das atuações principais no próximo Oscar.

“Não tinha ideia do que seria a pressão de interpretar Lady Macbeth, um ícone da dramaturgia”, disse a atriz Marion Cotillard, em entrevista à ISTOÉ, em Cannes, onde o filme teve première mundial. Pelo fato de Kurzel ter optado pelo texto original, a atriz, francesa, conta que teve dificuldade para encontrar “a alma das palavras”. “Trabalhei com um estudioso de Shakespeare no set. Para manter a força dos diálogos, tive de escolher uma interpretação própria para cada passagem.’’

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MANIPULAÇÃO
Marion Cotillard faz uma Lady Macbeth ardilosa, que leva o
marido (Fassbender) a cometer as mais terríveis atrocidades

Para o ator irlandês Michael Fassbender, a perspectiva mais íntima da trama ajudou na composição de seu terrível e atormentado Lord Macbeth. Ele disse que o mais interessante do trabalho foi justamente o desenvolvimento da relação dos protagonistas, um casal criminoso e cúmplice com rasgadas tendências auto-destrutivas. “É o retrato do momento turbulento na vida de um homem e de uma mulher”, resumiu Fassb ender, lembrando que a dupla de atores ensaiou por dois meses antes de filmar. “Só assim pudemos criar uma energia palpável entre o casal’’, diz o galã.

O diretor Kurzel diz que são justamente as muitas leituras dos diálogos que dão elasticidade e longevidade ao material. “É por isso que continuamos fascinados por Shakespeare até hoje. Cada interpretação é diferente.”

O filme tem também um movimento de redenção que o difere das inúmeras direções que o antecederam. Ele estabelece a noção de que o casal Macbeth arquiteta a morte do rei da Escócia em uma tentativa desesperada de começar uma nova vida – depois da morte do filho, que a plateia toma conhecimento por meio do enterro da primeira cena, e dos traumas vividos pelo general na guerra. “O que Shakespeare faz, aqui, é mostrar como a dor, a frustração e o medo podem levar à insanidade e ao mal’’, resumiu o cineasta.

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Fotos: Jonathan Olley; Divulgação