Não são só as mulheres grávidas que têm de se apavorar com a possibilidade de serem picadas pelo Aedes Aegypti e contrair o zika vírus. Além da epidemia de microcefalia no País, o zika também está sendo responsabilizado pela explosão de casos de uma doença autoimune rara, a síndrome de Guillain Barré, que causa a perda da sensibilidade nos membros inferiores, fraqueza muscular generalizada e pode levar à paralisia. Seis estados do Nordeste, a região mais afetada pela epidemia, já deram o sinal de alerta na semana passada, ao mesmo tempo em que o Ministério da Saúde confirmou a associação entre a doença e o vírus. De acordo com o órgão, a relação foi feita, por meio de investigações da Universidade Federal de Pernambuco, a partir da identificação do vírus em amostras de seis pacientes com sintomas neurológicos e histórico de doença infecciosa. Desses, quatro foram confirmados com síndrome de Guillain Barré. “Existe uma relação entre o aumento de casos da doença e a presença do zika, mas ainda é difícil ter uma associação de causa e efeito, já que a enfermidade aparece quando o vírus está fora do corpo” afirma Bianca Grassi de Miranda, infectologista do Hospital Samaritano de São Paulo.

ZIKA-01-IE.jpg
SEQUELAS
Cerca de 30% dos doentes ainda apresentam fraqueza após três anos de síndrome

Como um paciente de Guillain Barré não precisa notificar a doença ao governo, o Ministério da Saúde não tem dados sobre quantas pessoas foram acometidas por ela no País. Mas secretarias de saúde de alguns estados do Nordeste registraram um aumento significativo de casos. Em Pernambuco, foram notificadas 130 pessoas com a síndrome e somente nove registros no ano passado. O Piauí aparece com 42 frente a 23 no ano anterior. Sergipe possui atualmente 28 casos e nenhum em 2014. No Maranhão, o número de notificações subiu de dez para 32. Na Bahia, em julho deste ano havia 29 ocorrências. Em dezembro, saltou para 64. Apesar da relação entre o zika e a síndrome ter fortes indícios, é importante lembrar que a Guillain Barré pode ser causada por uma reação provocada por qualquer infecção de vírus ou bactéria. “É uma doença neurológica rara que ocorre somente depois da infecção viral”, diz Antonio Carlos de Oliveira Misiara, infectologista do Hospital Sírio Libanês. “A pessoa passa a produzir anticorpos contra si mesmo, como se fosse um comando errado. Também existe uma pré-disposição genética para a síndrome.”

Na maior parte dos casos, a Guillain Barré está associada a infecções virais agudas, como gripe, hepatite, dengue ou por citomegalovirus. O vírus faz o sistema imunológico atacar a membrana que envolve as fibras nervosas, chamada mielina – espécie de capa protetora das fibras nervosas. “O Guillain Barré faz o nosso sistema imunológico confundir as células saudáveis com as patológicas”, afirma Bianca, do Samaritano. Os sintomas costumam surgir entre duas e três semanas e são caracterizados por uma progressiva fraqueza muscular ascendente – dos membros inferiores para os superiores. “A síndrome pode evoluir tanto com quadros menos graves até os mais complexos, quando ocorre paralisia facial e danos no sistema respiratório”, diz Misiara. Para compreender melhor a doença e as demais complicações neurológicas que o zika vírus pode causar, diversas autoridades de saúde estão investigando pessoas com histórico de infecção pelo Aedes Aegypti. O Hospital da Restauração no Recife, em Pernambuco, estuda o aumento significativo de casos da síndrome e a possível associação com o zika. De acordo com a chefe do departamento de neurologia do hospital, Maria Lúcia Brito Ferreira, todos os casos de pacientes que apresentaram um quadro viral até junho deste ano estão sendo revistos. Dos 70 investigados, seis tiveram resultado positivo para o zika vírus e quatro apresentaram a síndrome de Guillain Barré.

ZIKA-02-IE.jpg
GUERRA
O vírus faz o sistema imunológico atacar as próprias células e tecidos saudáveis por engano

O diagnóstico é realizado a partir da observação dos sintomas. “Os primeiros sinais são formigamento e dores agudas com antecedente de infecção”, diz a infectologista do Samaritano. Não há cura específica e o tratamento é focado no combate aos sintomas e na diminuição dos danos motores, com fisioterapia. “Em alguns casos são aplicadas injeções de imunoglobina (anticorpos contra os auto-anticorpos que atacam a mielina) e plasmaférese (um tipo de hemodiálise para filtrar os auto-anticorpos que destroem a mielina)”, diz Maria Lúcia. Segundo estudos, cerca de 30% das pessoas acometidas pela síndrome apresentam fraqueza residual após três anos e aproximadamente 3% podem sofrer uma recaída, com perda de força muscular e formigamento após o contágio inicial. A mortalidade ocasionada pela doença é considerada baixa, de 5%. Entre 5 e 10% dos pacientes podem permanecer com sintomas incapacitantes, ou seja, aqueles que impedem a pessoa de voltar a andar.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Ao contrário do que ocorre nos casos de infecção que levam à microcefalia, na síndrome Guillain Barré o vírus já está fora do organismo quando a pessoa manifesta a doença. “Nos casos da síndrome, a doença aparece quando o paciente já está melhorando”, afirma a infectologista do Samaritano. Enquanto os especialistas estudam as relações entre o zika e síndrome, é preciso lutar contra o mosquito para diminuir a incidência de distúrbios neurológicos e outras doenças transmitidas por ele. “Estamos perdendo de goleada para o Aedes Egypti. Estamos muito aquém de conseguirmos manter o controle”, afirma Misiara. “Se fossemos eficazes no controle, a síndrome de Guillain Barré diminuiria por tabela.”

IE2402pag86e87Doenca-2.jpg

Foto: Shutterstock 


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias