Mulheres que fizeram aborto, gays, casais em segunda união, novas configurações de família, ateus… Desde que assumiu o trono da Igreja Católica, em março de 2013, o argentino Jorge Mario Bergoglio tem feito seguidas declarações em apoio a esses grupos de pessoas, consideradas pecadoras e alijadas da prática cristã. Mas os acenos não têm se resumido aos discursos contundentes. Francisco demonstra na prática que quer reconciliar o catolicismo com sua essência: a prática do amor ao próximo e da caridade. E assim se aproximar de seu rebanho. Um exemplo disso foi a abertura do Jubileu da Misericórdia e do Perdão na terça-feira 8, com a presença do papa emérito Bento XVI. Normalmente, um Jubileu acontece a cada 25 anos (leia quadro). O mais recente havia ocorrido em 2000, com João Paulo II, mas um pontífice pode convocar um extraordinário a qualquer momento. Foi o que fez Bergoglio, um homem sensível e atento ao mundo em que vive. Uma época cheia de conflitos, em que o perdão tem se mostrado muito necessário.

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GRAÇA
Na terça-feira 8, Francisco abre a Porta Santa na Basílica de São Pedro:
quem passar por ela até 20 de novembro de 2016 terá seus pecados perdoados

O rito de início do Jubileu é a abertura da Porta Santa da Basílica de São Pedro, que só pode ser realizada durante os Anos Santos . Quem passa por esse pórtico recebe o perdão dos pecados e a indulgência plena. No dia13 de dezembro, pela primeira vez na história, serão abertas as Portas Santas de todas as catedrais do mundo. Durante a missa, na terça-feira 8, diante de milhares de fieis, o papa pediu coragem aos cristãos. “Deixemos de lado todo o medo e pavor, para que eles não se apropriem de homens e mulheres que são amados. Em vez disso, vamos experimentar a alegria do encontro com a graça que transforma todas as coisas.” Francisco disse que a Porta Santa era “uma porta de misericórdia e que aqueles que entrassem por ela iriam experimentar o amor de Deus que consola, perdoa e transmite esperança.” O pontífice também convidou os fieis a recuperar o “espírito do samaritano”, para sair a proclamar a alegria do amor ao mundo, o perdão e a reconciliação.

Neste Jubileu, Francisco decidiu dar especial atenção às mulheres. Especificamente àquelas que já fizeram aborto. Pecado que leva à excomunhão automática desde 1398, durante o Ano Santo o aborto será passível de perdão. As mulheres poderão inclusive receber a absolvição de padres (uma vez que esse tipo de falta só é perdoada por bispos), para facilitar o processo. “Há pecados reservados apenas ao papa, outros aos bispos, e também aos padres”, afirma o padre Denilson Geraldo, especialista em Direito Canônico, que explica: essa concessão só dura até 20 de novembro de 2016, quando termina o Jubileu. A medida causou polêmica dentro da própria Igreja Católica. Enquanto a ala conservadora reprovou o gesto de reconciliação, católicas feministas acharam o ato inócuo. “A gente vê o acesso ao aborto legal como um direito, não como um pecado que precisa ser perdoado”, diz a socióloga da religião Regina Jurkewicz, do grupo Católicas pelo Direito de Decidir.

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ENCONTRO
Pela primeira vez na história, dois papas juntos numa solenidade

jubilar: Francisco (à esq.) e o emérito Bento XVI

Alheio às críticas internas, Francisco já se programou para participar de mais de 20 atos de absolvição com famílias, jovens, pessoas doentes, deficientes e presos. O objetivo dessa série de visitas privadas é mostrar com fatos concretos sua solidariedade com os marginalizados – pela sociedade e por sua própria Igreja Católica. O religioso argentino também não pára de estender sua mão para novos grupos, buscando aproximação . Na quinta-feira 10, lembrando os cinqüenta anos do Concílio Vaticano II, lançou um documento encorajando o diálogo com os judeus.

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Fotos: VINCENZO PINTO/AFP; Gregorio Borgia/AP