O brasileiro Luís Inácio Lula da Silva, o argentino Néstor Kirchner e o venezuelano Hugo Chávez criaram uma nova agenda para a América Latina quando se reuniram em Mar Del Plata, na Argentina, há dez anos. Na ocasião, eles disseram não à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), proposta pelos Estados Unidos, então governados por George W. Bush, e colocaram o estreitamento dos laços entre os países vizinhos como prioridade. Era o início da década de hegemonia da esquerda no continente. Impulsionados pelo “boom das commodities”, que permitiu aos emergentes um crescimento econômico acelerado e garantiu o financiamento de programas sociais de combate à pobreza, esses líderes mantiveram a popularidade em alta – em alguns casos, atingiram o status de semi-deuses – e elegeram seus sucessores (muito menos carismáticos). Agora, a situação parece ter se invertido. Se no Brasil afundado pela crise Dilma Rousseff enfrenta um processo de impeachment, na Argentina a presidente Cristina Kirchner tenta se conformar em entregar a faixa presidencial para o liberal Mauricio Macri, eleito há duas semanas. O próximo revés é esperado em Caracas. No domingo 6, os venezuelanos irão às urnas para escolher a nova Assembleia Nacional. Se as pesquisas estiverem certas, a esquerda latino-americana sofrerá mais uma derrota.

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PARA FRENTE
Henrique Capriles, principal líder da oposição da
Venezuela: população cansou do chavismo

“A deterioração da economia e, sobretudo, a escassez e o desabastecimento de comida e produtos básicos afetou significativamente a popularidade de Maduro”, disse à ISTOÉ Diego Moya-Ocampos, analista de Venezuela da consultoria de risco IHS. “O voto na oposição é um castigo ao presidente.” Com o preço do petróleo, seu principal bem de exportação, em queda, a projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) é que, até o fim deste ano, a inflação ultrapasse os 150% e a retração da economia chegue a 10%. Para voltar a atrair investimento estrangeiro, o mercado espera que Caracas unifique suas taxas de câmbio, elimine o controle de preços e acabe com os subsídios da comida e da gasolina. Com Maduro no poder, é improvável que haja grandes mudanças na política econômica, apesar de o discurso bolivariano já não ter mais o mesmo apelo junto à população – atualmente, só 20% dos venezuelanos aprovam Maduro.

A simpatia aos opositores, liderados pelo moderado Henrique Capriles, tem crescido no país. Nessa eleição, espera-se que eles obtenham, ao menos, a maioria simples, entre 86 e 100 cadeiras, o que teria efeito modesto nos rumos do país. “Nesse cenário, a oposição pode escolher a nova liderança da Assembleia Nacional e os chefes das comissões legislativas”, afirma o cientista político venezuelano Jesús Castillo Molleda. Essa seria a primeira vez em 17 anos que o chavismo perderia o controle de um dos poderes. “Mas só com a maioria absoluta, ou seja, mais de 113 deputados, a oposição teria poderes legislativos suficientes para colocar o governo do presidente Maduro em xeque.” Segundo os analistas, uma eventual derrota no domingo também provocaria fissuras dentro do chavismo, que se manteve unido mesmo após a morte de seu líder.

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Frágil e fragmentada, a oposição tem na agenda duas propostas principais: tomar medidas liberalizantes para reativar a economia e criar uma lei de anistia para presos políticos. Em setembro, o líder oposicionista Leopoldo López foi condenado a 13 anos de prisão por incitar a violência nos protestos contra o governo no ano passado. Por causa disso, o novo presidente da Argentina já sinalizou que quer punir a Venezuela no Mercosul. Na próxima cúpula do bloco, em 21 de dezembro, Macri deve propor a aplicação da mesma cláusula democrática que suspendeu temporariamente o Paraguai em 2012, quando o mandato do então presidente Fernando Lugo foi cassado pelo Congresso. “A situação que a Venezuela vive sob o governo de Nicolás Maduro não corresponde ao compromisso democrático que nós, argentinos, assumimos”, disse. Para Dilma, não há “fatos qualificados” para aplicá-la nesse caso.

O ocaso do populismo latino-americano, sustentado por um discurso nacionalista e, não raro, anti-Estados Unidos, tem como pano de fundo a desaceleração econômica e uma enxurrada de denúncias de corrupção na trajetória recente desses países. Além disso, a tentação de se perpetuar no poder insiste em reaparecer. Na Bolívia e no Equador, os presidentes estão em processo de mudar a Constituição para permitir a reeleição ilimitada, como Chávez fez na Venezuela em 2009.

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Fotos: REUTERS/Ivan Alvarado; REUTERS/Carlos Garcia Rawlins