“Esqueça tudo o que ouviu na academia. Aqui você vai conhecer a vida real, e ela é de guerra!” Essas são as ‘boas-vindas’ dadas por veteranos aos policiais recém-chegados ao 41º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro, segundo um relato anônimo dado à ISTOÉ. Não por acaso, este é o grupamento mais violento do estado. Não por acaso, os quatro policiais responsáveis pelo bárbaro assassinato de cinco jovens no sábado 28, em Costa Barros, zona norte do Rio de Janeiro, fazem parte dele. Pela covardia e brutalidade, o episódio deixou o Brasil estarrecido e repercutiu também fora do País. Foram 111 disparos contra o carro em que os garotos, com idades entre 16 e 25 anos, se encontravam, na volta de um lanche onde comemoraram o primeiro emprego de um deles. Não estavam armados, não cometiam crime algum. O “erro” foi ter cruzado com policiais do Batalhão da Morte. “Esse grupamento está fora do controle, haja visto seus números de tiros e autos de resistência” (leia quadro na página ao lado), diz Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes. “Mas nada foi feito para conter esse ciclo.”

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Especialistas explicam que o Batalhão da Morte carrega a cultura da “gratificação faroeste”, criada em 1995 pelo general Nilton Cerqueira, então secretário de segurança do Rio para premiar policias que reagiam à bala, e oficialmente extinta em 2000. Professor de criminologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pedro Paulo Bicalho explica que a área ocupada pelo grupamento é a mesma onde ficava o batalhão campeão da gratificação por extermínio – o 41º foi criado em 2010. “O que se conclui de massacres como o daqueles jovens é que essa cultura plantada há décadas permanece viva”, afirma.

Outra explicação para a violência do grupamento é geográfica. O 41º BPM fica em uma área dominada pelos bandidos mais perigosos do estado, majoritariamente alojados nos complexos do Chapadão e da Pedreira. Muitos fugidos do Complexo do Alemão quando a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) foi instalada, em 2010. Apenas entre janeiro e outubro deste ano foram registrados 33 roubos por dia, em média, nesta região. No mesmo período, foram apreendidos 174 fuzis, entre outras armas de fogo, no Rio, sendo que 51 estavam na área do 41º BPM, segundo dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP).

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O coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Ignácio Cano, diz que o batalhão agiu como é praxe na sociedade brasileira: considera suspeitos jovens negros e pobres. “E, seguindo o discurso insuflado pela opinião pública de que bandido bom é bandido morto, eles atiram para matar”, diz Cano. A pedido da Polícia Militar, ele concluiu, este ano, um documento chamado Índice de Aptidão para o Uso da Força Policial, que aponta os batalhões com maior número de disparos por agente – e o 41º contabiliza 73 policiais classificados como “acima do limite”. É um dos dois líderes da pesquisa.

O presidente da Anistia Internacional no Brasil, Átila Roque, chama atenção para o fato de o perfil dos policiais do Batalhão da Morte ser o mesmo das vítimas – e, consequentemente, dos moradores da região. “Muitos são jovens negros de famílias pobres. Como, então, é possível que se transformem em pessoas capazes de fazer o que fizeram?”, questiona. O delegado Orlando Zaccone, responsável pelo Centro Integrado de Apuração Criminal, da Polícia Civil, diz que “os confrontos são vistos como permitidos na região onde esses agentes atuam.” E exemplifica: “Se esses policiais fossem transferidos para o Leblon (bairro nobre), teriam postura diferente. É como se a vida ali (Costa Barros) valesse menos.”

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MATANÇA
Os amigos Roberto, Carlos Eduardo, Cleiton, Wesley e Wilton (da esq. para a dir.)
foram  fuzilados por mais de 100 disparos, todos pelas costas, ao voltar da
comemoração  pelo primeiro emprego de Roberto. Os jovens gritaram
“morador!  morador!”,  para sinalizar que não ofereciam perigo e,
mesmo assim,  foram executados

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No caso que vitimou Roberto de Souza e Carlos Eduardo da Silva Souza, ambos de 16 anos, Cleiton Corrêa de Souza, de 18, Wilton Esteves Domingos Junior, de 20 e Wesley Castro, 25 – amigos de infância, agora enterrados no mesmo cemitério, em Irajá, na zona norte – não houve confronto. Segundo o laudo da perícia, os 63 disparos que perfuraram o carro onde eles estavam vieram de fora e foram feitos por trás, o que significa que os rapazes não retrucaram e foram alvejados pelas costas. Os quatro policiais foram presos por fraude processual e alteração da cena do crime e três deles por homicídio doloso, quando há intenção de matar. O Secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, considerou a matança “indefensável”, e garantiu que os policiais vão responder criminalmente e administrativamente, podendo ser expulsos da corporação. 

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DESESPERO
Mônica Santana chora no enterro do filho, Cleiton, que foi
sepultado no mesmo cemitério de seus amigos, em Irajá