Dois dias antes do acolhimento do pedido de impeachment, o vice-presidente da República, Michel Temer, recebeu o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no Palácio do Jaburu, em Brasília. Sentaram-se somente os dois em torno de uma longa mesa de madeira para um almoço que durou cerca de duas horas. Foi uma verdadeira sessão de descarrego. Preocupado com a iminente cassação de seu mandato pela Comissão de Ética por ter mentido em uma CPI, Cunha declarou a Temer que a situação política chegara ao limite do suportável. Avisou que tentava até o último momento negociar um acordo com o Palácio do Planalto, mas que o nível de desconfiança entre as duas partes acabaria por inviabilizar qualquer saída pacífica. Ainda na conversa, Cunha afirmou ter ciência de que, apesar de ser um bom articulador, o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, muito provavelmente não teria condições de entregar o que havia prometido. Em outras palavras, não teria condições de garantir os essenciais votos dos três petistas integrantes do Conselho pela sua absolvição.

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EU?
O vice-presidente, Michel Temer, revela habilidade política para liderar uma transição

Do almoço, Temer saiu convencido de que Cunha estava determinado a colocar o impeachment em marcha. Só não sabia quando. No fim da tarde de quarta-feira 2 veio a confirmação. Temer estava reunido em seu gabinete, na vice-presidência, com o ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves, do PMDB. A conversa foi interrompida pelo toque do celular do vice-presidente. O visor do telefone revelou que Eduardo Cunha estava do outro lado da linha. O vice ouviu que era chegada a hora. Temer finalizou a conversa. Não avisou a ninguém. Pediu para sua visita ligar a TV e aumentar o volume. Juntos, eles viram Cunha dar a largada para o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Formal, contido e avesso a polêmicas, Temer se preparou para esse momento. Desde maio, tem recebido parlamentares da base, governadores, ministros petistas, representantes de associações empresariais e sindicais, militares de alta patente, presidentes de órgãos do Judiciário e, até mesmo, integrantes da oposição para suprir a falta de diálogo da Presidência. Também acelerou visitas às redações dos principais veículos de comunicação.

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ESTILO ITAMAR 
O vice Itamar Franco, tão logo assumiu o País em substituição a Collor,
reuniu à mesma mesa políticos de todas as colorações partidárias

Durante os encontros, o vice-presidente foi sempre muito discreto. Fez questão de deixar transparecer que não capitanearia nenhum movimento pró-impeachment. Ao mesmo tempo, mostrou-se pronto para cumprir sua prerrogativa de vice-presidente, que é a de substituir o titular do Executivo, caso fosse necessário. Sua maior preocupação era a de exibir credenciais capazes de levar o País rumo a um ambiente de unidade nacional.

Não por acaso, a figura do ex-presidente Itamar Franco, que substituiu Fernando Collor de Mello e promoveu um pacto entre empresários e principais lideranças políticas, foi reiteradas vezes lembrada nas conversas. Deu certo. Hoje, Temer é visto como a pessoa mais talhada para promover uma transição sem sobressaltos rumo à retomada do desenvolvimento.

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Na última semana, o vice deu mostras do prestígio que conseguiu acumular nos últimos meses. Na quarta-feira 2, recebeu em sua casa sete senadores, a maioria de partidos da oposição: Aloysio Nunes (PSDB-SP), José Serra (PSDB-SP), Tasso Jereissati (PSDB-CE), José Agripino Maia (DEM-RN), Ricardo Ferraço (PMDB-ES), Waldemir Moka (PMDB-MS) e Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE). Antes mesmo de anunciada a decisão de Cunha, os parlamentares tinham em mãos um manifesto para dizer que o Brasil precisava se unir para sair da encruzilhada política. Entre comes e bebes, se revelaram dispostos a abraçar soluções para tirar o País da crise de maneira célere. E insinuaram que Temer poderia, se quisesse, ser o condutor desse processo, com ou sem Dilma no Planalto. O vice não se comprometeu com nenhuma articulação. Como se precisasse. Até ser ungido, Temer encarnará Temer.

Fotos: André DUSEK/ESTADão CONTEÚDO; Claudio Versiani/Agência Istoé