Eles formam uma população estimada em cinco milhões de pessoas. Muitos nasceram na França, mas não vivem como franceses. Trata-se dos muçulmanos que habitam as periferias das grandes cidades francesas, como Paris, Lyon, Marseille. Ao longo do anos, o governo não conseguiu promover uma integração desses islamitas, que hoje somam 7% dos habitantes do país. Esses homens, mulheres e crianças, nascidos e criados sob a mesma religião do Estado Islâmico, estão quase todos chocados, temerosos e envergonhados pelo crime cometido por seus pares de fé.

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À MARGEM
Muçulmanos rezam em uma rua de Paris: governo francês
não conseguiu promover uma integração efetiva

Passava pouco da meia-noite da sexta-feira 13 quando a Federação Nacional da Grande Mesquita de Paris apresentou sua primeira manifestação pública condenando a série de atentados que transformaram ruas célebres da capital francesa em cenário de guerra. A mensagem do presidente da instituição, Dalil Boubakeur, suplicava pela união dos franceses. “Nous sommes tous Paris” (somos todos Paris), proferiu o líder. Em um vídeo divulgado pelo Facebook, a associação Etudiants Musulmans de France colocou no ar a campanha #NousSommesUnis. (somos todos um) “Derramar o sangue de um inocente não responde a nenhuma lei”, disseram os jovens. O apelo à fraternidade terminava com versos do Alcorão: “Aquele que mata um homem, mata toda a humanidade”.

Concentrada em regiões periféricas modestas os muçulmanos nascidos ou estabelecidos na França conservam sua cultura de origem. A sensação de andar por esses bairros é a de estar em outro país. Não só pelas mulheres cobertas por burcas e homens com túnicas. Os letreiros de lojas e de restaurantes típicos são escritos em árabe. Os caixas dos supermercados se comunicam com os clientes em línguas diferentes que o francês. Os açougues só vendem carne halal, produzidas de acordo com os preceitos religiosos, e as escolas públicas são obrigadas a fornecer um cardápio sem carne de porco. A taxa de desemprego chegar a 30% em alguns locais, favorecendo a delinquência e outras formas ilegais de obtenção de dinheiro.

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Às portas de Paris, Saint-Ouen é um verdadeiro mercado de drogas e de armas à céu aberto. O cenário, intimida até as forças de ordem local, localizadas a nove estações de metrô do Palácio do Eliseu, sede do governo. 

Esse contexto é um convite à radicalização, segundo Louis Caprioli, ex-diretor da Luta contra o Terrorismo da Direção de Vigilância do Território (DST), antigo nome do serviço de inteligência francês. “O recrutamento se faz principalmente em prisões, mas também por encontros em subúrbios, promovido por pessoas que já estiveram em centros fundamentalistas”, disse Caprioli. “Alguns são muçulmanos não praticantes, mas que se sentem excluídos da sociedade. Eles consideram que seus fracassos estão ligados às suas origens, culpam a França e desejam o fim dessa exclusão”.

“Aquele que mata um homem, mata toda a humanidade”
Do Alcorão, citado pela associação Etudiants Musulmans de France

O franco-argelino Mohammed Merah, 23 anos, responsável pelo ataque a uma escola judaica em Montauban, em 2012, onde sete pessoas morreram, é egresso dessa realidade. Também viviam em território francês os irmãos Kouachi et Amedy Coulibaly, que assassinaram 17 profissionais da redação do jornal satírico “Charlie Hebdo”, em janeiro deste ano. De acordo com o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, cerca de dois mil praticantes do islã na França estão de alguma forma envolvidos com os jihadistas. Mesmo desarmados, muitos desses homens oferecem abrigo e ajudam no trânsito dos soldados do EI. São os cchamados facilitadores.

A escalada da violência tem gerado forte reação de uma parcela considerável da sociedade francesa, especialmente da extrema-direita no país. Em abril de 2014, o Front Nacional, partido da ultra-conservadora Marine Le Pen, teve a maior votação de sua história nas eleições municipais, conseguindo 11 prefeituras. Em setembro, o partido elegeu pela primeira vez senadores. Para Gilles Kepel, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, especialista no mundo árabe contemporâneo e no Islã, o objetivo central do Estado Islâmico é desestabilizar as grandes capitais europeias. Uma de suas preocupações é justamente a reação da Europa em relação à população muçulmana, de maioria inocente, mas que esconde em seu seio assassinos que em poucas horas protagonizaram a maior tragédia vivida pela França desde a Segunda Guerra Mundial.

Foto: AFP PHOTO/BERTRAND GUAY