13/11/2015 - 20:00
O deputado Marcos Rotta (PMDB-AM) ganhou notoriedade em sua terra natal com o programa de televisão “Exija seus direitos”. Bandeira de sua vida pública, a defesa do consumidor lhe abriu as portas da política. No Amazonas, antes de chegar à Câmara Federal, Rotta foi deputado estadual por quatro mandatos consecutivos.
CAIXA PRETA
Para o deputado Marcos Rotta, enquanto não houver clareza nas ações
do BNDES, suspeitas de tráfico de influência permanecerão
Logo na estreia em Brasília, este ano, coube ao novato uma espinhosa função: a de presidir os trabalhos da CPI do BNDES. Nos últimos dias, a tensão na CPI alcançou o seu ápice a partir da revelação de detalhes das transações financeiras de estrelas do PT, incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com as novas descobertas, o governo federal identificou na Comissão um flanco de vulnerabilidade. “Chegamos a uma fase mais política da CPI. O governo percebeu essa guinada e mobilizou seu pessoal. Substituiu alguns integrantes”, afirmou Rotta em entrevista à ISTOÉ, concedida na quarta-feira 11 em seu gabinete. Embora se posicione claramente contra a ida de Lula e de seu filho Fábio Luís, o Lulinha, à Comissão, o presidente da CPI do BNDES diz que o banco de fomento, ao utilizar critérios controversos na hora de conceder financiamentos, sobretudo internacionais, deu margem a questionamentos.
"Lulinha não tem nada a ver com o BNDES. E a vinda de Lula
neste momento causaria um tumulto, um alvoroço muito grande."
“Qual o critério que se utiliza para investir em obras em Angola? Ou fazer o Porto de Mariel, em Cuba? As apurações estão em andamento. Agora, falta transparência na liberação dos financiamentos pelo BNDES. isso é um fato e ela nos leva a dúvidas”. Perguntado sobre a influência do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na pauta da CPI, Rotta diz haver “folclore” em torno do assunto. “Minha indicação foi do líder do PMDB, Leonardo Picciani”, lembrou.
"Foi um avanço (a convocação de José Carlos Bumlai). Não vejo
sentido em certas blindagens que tentam fazer em CPIs"
O que significou a aprovação da proposta para convocar o empresário José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Foi um avanço para os trabalhos da CPI. Não vejo muito sentido em certas blindagens que se tenta fazer em CPIs. Essas tentativas de blindagem só contribuem para alimentar todo um ambiente de suspeita em torno de quem é citado. O melhor para a pessoa é vir aqui e prestar os esclarecimentos. Muitos adotaram essa postura e esclareceram as dúvidas. Ninguém quer aqui pré-julgar ou condenar.
A CPI encerra os trabalhos no dia 4 de dezembro. Ela será prorrogada?
Há um compromisso público do presidente Eduardo Cunha de que ele trabalharia no sentido da prorrogação. Eu oficializei o pedido. Conversei com o relator (o deputado governista José Rocha, do PR da Bahia) e ele me disse que necessita de um tempo a mais para fazer seu relatório. Talvez, mais uns 60 dias.
Aliados do Palácio do Planalto não estão muito interessados em vê-la prorrogada.
Chegamos a uma fase mais política da CPI. O governo percebeu essa guinada e mobilizou seu pessoal. Substituiu alguns integrantes. Acho que o maior exemplo da preocupação do governo foi a votação que rejeitou o requerimento para convocar o ex-ministro Antonio Palocci. Foram 16 votos contrários a 6. Ficou evidente a ação do Planalto.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está blindado na CPI?
Não é questão de estar blindado. A própria oposição entende que a vinda do ex-presidente Lula neste momento causaria um tumulto, um alvoroço muito grande. Eu particularmente acho que não é o momento de o ex-presidente vir à CPI.
Há requerimentos para convocar o filho do ex-presidente, Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha. Não seria o caso de ouvir o Lulinha?
Lulinha não tem nada a ver com o BNDES. Isso é mais uma questão política.
O sr. consulta o presidente da Câmara? Ele interfere na pauta? Há quem diga que Cunha blindou Lula na CPI para, em troca, ser ajudado no Conselho de Ética.
O presidente Cunha nunca tratou dessa questão comigo. Tenho pouco contato com ele. Nunca discuti pauta com o presidente Cunha. Minha indicação foi do líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ). Existe muito folclore em relação a isso.
Mas a CPI pode funcionar como forte arma de pressão.
Com esse afunilamento político (das investigações), as coisas estão ficando mais difíceis. Procuro ouvir a oposição, ouvir o governo, buscar acordos. A oposição chega com quatro ou cinco nomes, o governo entende que aquele não é o momento de ouvi-los. Então, negocio um ou dois. A pauta sempre foi construída assim. Sempre compartilhei a pauta com oposição e situação. Não usei minha prerrogativa de presidente para fazer a pauta.
O sr. conversou com seus colegas de CPI sobre o relatório final da comissão que investigava irregularidades na Petrobras, que nada produziu de contundente. Aquilo não foi bem recebido pela opinião pública. Tem receio de que o mesmo ocorra no BNDES?
Aquilo aumentou nossa responsabilidade. Quando a CPI da Petrobras terminou, os holofotes todos se viraram para as CPIs dos BNDES e dos Fundos de Pensão. Essa sensibilidade nós precisamos ter. O relator José Rocha é uma pessoa competente, serena, madura, sabe da responsabilidade que tem. Ao final da CPI do BNDES, nós vamos apresentar um relatório maduro, propositivo. O objetivo maior do relator é exatamente esse: com o nosso olhar político e com toda experiência adquirida aqui em razão das oitivas e análise de dados, contribuir para que o BNDES possa melhorar.
Melhorar em que sentido?
O BNDES precisa rever os seus conceitos e seus critérios. Qual o critério que se utiliza para investir em obras em Angola? Ou fazer o Porto de Mariel, em Cuba? O Porto de Santos está aí, o Porto de Paranaguá também. Cidades brasileiras têm portos em situações muito precárias. Por que investir milhões de dólares em Cuba e não no Brasil? Por que financiar um metrô na Venezuela?
O sr. ainda não encontrou respostas?
As investigações estão em curso. A CPI do BNDES está investigando, a Procuradoria da República também.
O ex-presidente Lula é alvo dessas investigações.
É como eu disse, as apurações estão em andamento. Agora, falta transparência na liberação dos financiamentos pelo BNDES. Isso é um fato e ela nos leva a dúvidas. Se fossem mais claros os critérios para a liberação dos recursos, talvez essas dúvidas não existissem.
O que é possível fazer a esse respeito?
Vamos sugerir que os financiamentos do BNDES, sobretudo os internacionais, passem por uma avaliação mais rigorosa por parte do Congresso Nacional. Hoje, nós não temos a clareza de como isso funciona. O Parlamento tem que acompanhar isso. Do contrário, permanece a celeuma do tráfico de influência. Qual o critério para ter sido feito o Porto de Mariel? Qual o critério para ter liberado financiamento para o metrô de Caracas? As obras em Angola? Por que o Brasil financia países e não se autofinancia? Por que os estados brasileiros não têm acesso a linhas de crédito para se modernizarem e outras nações conseguem?
Como o Congresso pode ajudar nisso?
Se esses financiamentos internacionais passassem pelo crivo do Parlamento, talvez os problemas de transparência pudessem ser superados.
Lobby é um assunto que o sr. tem administrado nos últimos anos como parlamentar que tem a defesa do consumidor entre suas bandeiras políticas. Como é lidar com isso?
O lobby das grandes empresas é muito intenso no Congresso Nacional. Elas atuam muito fortemente.
O sr. pode citar algum exemplo de lobby a que está sujeito?
Eu estava relatando recentemente um projeto que obrigava concessionárias de veículos a cederem um outro automóvel a seus clientes em caso de defeitos não resolvidos em 30 dias. Vieram me procurar representantes de umas 15 empresa do setor para pressionar, mostrar a inviabilidade da proposta.
O sr. defende uma CPI para o setor de telefonia, proposta recorrente na Câmara. Alguma chance de vê-la concretizada?
Acho difícil que vingue, e não será a primeira. Estamos tentando fazer uma grande audiência pública com presidentes e relatores das CPIs que funcionaram em 18 estados brasileiros. Existe uma comissão especial para revisar a Lei Geral das Telecomunicações e questões sobre os serviços de telefonia estão contempladas nesse debate.
Como está a vida do consumidor brasileiro?
Nós temos uma legislação de proteção ao consumidor muito boa. Embora seja de 1990, ela continua atual, sendo modelo para outros países. O que falta é cobrança por parte dos órgãos e mecanismos do consumidor. Estou falando principalmente da telefonia, que é o grande problema que temos hoje no Brasil. Nós pagamos uma conta alta, um minuto muito caro. E as operadoras nunca faturaram tanto como estão faturando agora. Claramente vendendo muito mais do que a capacidade permitida. A Anatel está muito distante do que se espera dela. A população merece um pouco mais de atenção, de respeito.
Falta postura mais firme do poder público?
Vamos a uma ação que teve desdobramentos, mas nenhum resultado prático: a internet ilimitada. Os consumidores brasileiros foram induzidos a um erro. No mínimo. Empresas de telefonia fizeram campanha enganosa. Afirmaram em suas campanhas publicitárias que a sua internet seria ilimitada. E o que deveria ser ilimitado passou a ser limitado.
E a Anatel?
As empresas fizeram isso nas barbas da Anatel. Essa falha de rigidez da agência reguladora permite com que as companhias continuem a fazer o que acham que deve ser feito. Temos uma agência para regular a prestação do serviço e, num momento de crise como esse, ela se omite. Aí fica difícil para outros órgãos fazerem alguma coisa. A Anatel avalizou o posicionamento das empresas de simplesmente informar ao consumidor que sua internet não seria mais ilimitada, mas limitada. Um verdadeiro descalabro.