Quando a antropóloga Wednesday Martin se mudou para a região mais rica de Manhattan, em Nova York, tomou um susto. Sua vizinhança na glamourosa parte alta, à direita do Central Park, o Upper East Side, era composta por mulheres dependentes de muita coisa: dos maridos ricos, de substâncias químicas ilegais e legais, como antidepressivos e álcool e da aprovação das outras moradoras do bairro para cada escolha cotidiana. “Até viver no Upper East, achava que o dinheiro poderia tornar a maternidade uma experiência mais fácil e prazerosa. Lá descobri que a pressão entre as milionárias para serem esposas e mães perfeitas, criando filhos perfeitos, ao mesmo tempo lindas e em dia com a moda cria o que eu chamo de perfeccionismo tenso”, disse Wednesday à ISTOÉ. Chega ao Brasil no fim deste mês o livro que resulta da pesquisa que ela fez a partir de suas observações durante os seis anos em que viveu no bairro, “Primatas da Park Avenue”, da editora Intrínseca.

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‘No Upper East Side, a benzodiazepina é o melhor amigo das mulheres.
Muitas mães em Manhattan dependem de doses diárias de
medicamentos fortes como Ati­van, Xanax, Valium e Klonopin’

Apesar de ser casada com um ricaço do mercado financeiro, Wednesday, que é doutora em literatura comparada com ênfase em antropologia pela Universidade de Yale, percebeu que estava fora do restrito clube das “mulheres do 1%(mais rico)” ou “Geishas de Manhattan”, como as chama. “Cheguei sabendo que aquele era um lugar rico, formal, calmo e conservador. O que não esperava era que os padrões de loucura se estendessem às mães. Muitas parecem supermodelos, gerenciam suas casas como CEOs e advogavam em nome de seus filhos com a competitividade e energia de um atleta profissional. Pensei: tem que ter uma história por trás de toda essa riqueza e competição. E tinha!”

O atrito social a deixou realmente enfurecida quando notou que seu filho estava sendo excluído na vizinhança porque ela não atendia ao padrão da área. Jurou, então, que iria “dobrar” as socialites. Foi assim que começou a apurar o que chama de “crítica social no salto-alto”.

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MÃE ALFA
Wednesday Martin (topo) mudou de bairro, teve o segundo
filho e lançou o livro que chega agora ao Brasil

A narrativa – que já tem proposta de ir para o cinema – começa descrevendo as damas de forma sedutora, mencionando marcas de luxo e busca pela sofisticação, mas assim que consegue “entrar para a turma” a pesquisadora percebe a terrível realidade por trás das aparências, a começar pela anorexia bem-disfarçada “A necessidade de ser muito magra, a restrição de calorias, a substituição de comida por sucos, a prevalência de regimes detox e exercícios excessivos criam ansiedade e infelicidade.” No livro, Wednesday chega a comparar as dietas das dondocas de Manattan com estudos sobre privação alimentar feitos durante a Segunda Guerra Mundial.

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Um ponto alto do livro é a descrição do encontro dos Alcoólicos Anônimos em uma igreja na Madison Avenue, entre as lojas Prada e Ralph Lauren. Ali reúnem-se “mães maravilhosas e magras, vestidas de Chanel, Celine e Valentino”. Entre os diálogos relatados, não faltam trocas de dicas sobre como potencializar um ansiolítico tomando-o com drinques. O favorito é o “bloody mary”, mistura de vodka, suco de tomate, molho inglês e pimenta.

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Outra passagem de constranger qualquer feminista é o “bônus de fim de ano”. Um pagamento feito pelos maridos às esposas, que segundo Wednesday poderia partir de um acordo pré-nupcial. Em junho, quando o livro foi lançado nos Estados Unidos e logo entrou para a lista de mais vendidos, advogados especializados em casamentos milionários contestaram a escritora negando a existência da cláusula. Ela se limitou, a responder que “nem todos chamam assim, mas há quem chame”.

A escritora confessa que em alguns momentos se envolveu de tal forma com o mundo que decidiu investigar que se pegou agindo como suas “primatas”. Certa vez, aproveitou a ausência do marido em um evento, e flertou com um magnata, que define como “Pai Alfa”, em suas palavras. As demais mães a viram dominando a atenção do ricaço, que no dia seguinte a convidou para um “playdate”, um encontro de brincadeiras entre os herdeiros. A partir daí, a antropóloga e seu filho passaram a ser tratados com mais simpatia pelos demais. Mesmo inserida plenamente no clube, quando engravidou do segundo filho Wednesday ouviu os próprio instintos. Há sete anos ela vive no Upper West Side, lado oposto do território dominado. 


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