Os magnatas dos cassinos empregavam cerca de 40 mil pessoas em 1946 quando foram pegos de surpresa pelo anúncio veiculado pelas rádios: os jogos de azar estavam proibidos no Brasil. Os empresários haviam apoiado o presidente eleito, Eurico Gaspar Dutra, do PSD, justamente porque seu oponente, Eduardo Gomes, da UDN, sinalizara a vontade de acabar com o mercado que movimentava cerca de 300 milhões de dólares da época. Era muito dinheiro.

CULTURA-01-IE.jpg
BEM JUNTINHO
Grande Otelo, Linda Baptista, Herivelto Martins e Ary Barroso, no piano.
Em palcos apertados e com poucos instrumentos nasceram canções eternas

Músicos, cantores e cantoras, diretores de cena e mestres de cerimônia estavam sem emprego e os donos dos cassinos, traídos nas urnas, precisaram reinventar os seus negócios. Com muito mais detalhes, bastidores e humor, Ruy Castro descreve o nascimento do mais lacrimejante gênero musical brasileiro, o samba-canção, uma onda notívaga e esfumaçada que tomaria conta do Rio de Janeiro e das gravadoras de discos até sua substituição pela Bossa Nova.

base_LIVRO_RETO.jpg
"A Noite do Meu Bem" Nome do livro é título de uma das mais
tristes e famosas canções de Dolores Duran

O livro “A Noite do Meu Bem”, que chega às livrarias este mês pela Companhia das Letras, tem como cenário principal os bairros cariocas pelos quais se espalharam as 55 boates (antes de a palavra ser aportuguesada), pontos de atração máxima na noite carioca por duas décadas. As casas de clima mais intimista e tão alcoólico quanto os cassinos, foram palco para o novo “samba fora de hora”, um ritmo “de andamento médio e um volume mais próximo a um sussurro no ouvido.”

CULTURA-02-IE.jpg
EM COPA
O Golden Room, do Copacabana Palace, foi durante 24 anos
a mais glamourosa casa de shows do País

O nome do livro é título de uma canção do período, composta por uma das grandes artistas surgidas naquele momento, Dolores Duran, que ao lado de Sylvinha Telles, Marisa e Alayde Costa formou “a modernidade do samba-canção em matéria de interpretação e repertório”. As divas e os gênios, os políticos, empresários e a alta sociedade da velha capital do País são personagens que se movem por um cenário de luxo e decadência que ainda é para os poucos sobreviventes – como Ângela Maria e Cauby Peixoto – a fase de ouro da canção nacional. 

CULTURA-03-IE.jpg
"Ninguém cantava um samba-canção como Maysa – e ninguém
parecia viver dentro de um samba-canção como Maysa"
Ruy Castro

A pesquisa de Ruy Castro põe também uma lente crítica sobre o tipo de de trato e assédio a que a classe artística brasileira teve de aprender a suportar. O escritor mostra como a cantora Maysa, por exemplo, teve uma aura de maldição construída com a ajuda da imprensa por ser uma mulher divorciada que se relacionava com quem queria. Passado o seu tempo, o samba-canção se eternizou. A velha moral brasileira também.

IE2397pag75e76_AbreCultura-2.jpg

Fotos: Folhapress, Ellen Soares/Gshow