Durante um ano e meio, os moradores de Roma e os milhares de turistas que visitam a cidade anualmente não puderam admirar todo o esplendor de um dos monumentos mais emblemáticos da capital italiana: a Fontana di Trevi. Cenário de uma das sequências mais famosas da história do cinema, o banho da atriz sueca Anita Ekberg (1931-2015) em “La Dolce Vita” (1960), de Federico Fellini (1920-1993), a fonte, datada do século XVIII, passou dezessete meses sem água durante um longo processo de restauração concluído na terça-feira 3. A obra, que incluiu a limpeza das esculturas de mármore, a reforma dos canos e uma nova iluminação com mais de cem lâmpadas de LED, teve o custo total de 2,1 milhões de euros (R$ 8,64 milhões), financiados pela casa de alta costura italiana Fendi. Com a recessão econômica que atinge a Itália há três anos, grandes grifes e joalherias, como Fendi, Diesel e Bulgari, estão assumindo o papel do estado e investindo milhões de euros na recuperação de marcos históricos do país.

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INVESTIMENTO
A Fontana di Trevi na noite da reinauguração (acima) e
Pietro Baccari, CEO da Fendi, que financiou a obra

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O patrocínio privado de obras de restauro em monumentos italianos se tornou possível a partir de uma lei de 2004, que deu às marcas liberdade para gerir todo o processo. As grandes maisons e joalherias, no entanto, só se interessaram por esse modelo de investimento no final dos anos 2000, quando a crise econômica abalou a Europa. Em 2008, a joalheria Bulgari anunciou que financiaria parte da restauração da Ponte dos Suspiros, em Veneza, cujo custo total batia na casa dos 2,8 milhões de euros (R$ 11,5 milhões). Em contrapartida, durante a obra a ponte foi coberta por anúncios gigantescos da empresa, o que gerou a revolta dos moradores da cidade. 

Três anos depois, outro caso de patrocínio luxuoso gerou polêmica, dessa vez em Roma. A marca de sapatos Tod’s se ofereceu para doar 25 milhões de euros (R$ 102,9 milhões) para a recuperação do Coliseu, um dos maiores patrimônios culturais da humanidade. Depois de anos de negligência por parte do estado, o anfiteatro sofria com rachaduras e a ação da poluição. Descontentes com o acordo, entidades civis se posicionaram contrárias à iniciativa, por receio de que o marco se tornasse uma propriedade da Tod’s. A obra teve seu início adiado para 2013 e deve ser concluída em 2016. Na época do anúncio do financiamento, Diego Della Valle, presidente da Tod’s, disse que esperava que sua decisão influenciasse outros empresários a salvar a herança cultural da Itália e foi exatamente isso o que aconteceu. Desde que a marca decidiu patrocinar a revitalização do Coliseu, o número de grifes que financiam a restauração de pontos com alto valor histórico e cultural no país não pára de crescer. A própria Bulgari iniciou recentemente a recuperação da escadaria da Praça Espanha, também em Roma. Já a marca de jeans italiana Diesel está investindo na reforma da Ponte Rialto, em Veneza.

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INICIATIVA
Diego Della Valle (acima), dono da marca de sapatos de luxo Tod’s doou 25 milhões
de euros para a recuperação do Coliseu (abaixo)

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Durante a reinauguração da Fontana di Trevi, a Fendi revelou que irá bancar o restauro de mais quatro fontes na capital italiana. “Trata-se de um ato de amor da Fendi para Roma”, disse Pietro Baccari, CEO da grife. Agora o governo italiano espera encontrar um patrocinador privado para a esperada reforma do Domus Aurea, a Casa Dourada, palácio construído pelo imperador Nero (37 d.C.-68 d.C.) em Roma em 68 d.C., com custo estimado em 34 milhões de euros (R$ 139,9). Dario Franceschini, ministro da cultura na Itália, admitiu que o governo não pode bancar essa obra porque “tem recursos muito limitados”. Resta saber se algum mecenas de luxo vai topar essa empreitada.

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Fotos: AP Photo/Gregorio Borgia, Divulgação, lapresse/Roberto Monaldo