06/11/2015 - 20:00
Durante um ano e meio, os moradores de Roma e os milhares de turistas que visitam a cidade anualmente não puderam admirar todo o esplendor de um dos monumentos mais emblemáticos da capital italiana: a Fontana di Trevi. Cenário de uma das sequências mais famosas da história do cinema, o banho da atriz sueca Anita Ekberg (1931-2015) em “La Dolce Vita” (1960), de Federico Fellini (1920-1993), a fonte, datada do século XVIII, passou dezessete meses sem água durante um longo processo de restauração concluído na terça-feira 3. A obra, que incluiu a limpeza das esculturas de mármore, a reforma dos canos e uma nova iluminação com mais de cem lâmpadas de LED, teve o custo total de 2,1 milhões de euros (R$ 8,64 milhões), financiados pela casa de alta costura italiana Fendi. Com a recessão econômica que atinge a Itália há três anos, grandes grifes e joalherias, como Fendi, Diesel e Bulgari, estão assumindo o papel do estado e investindo milhões de euros na recuperação de marcos históricos do país.
INVESTIMENTO
A Fontana di Trevi na noite da reinauguração (acima) e
Pietro Baccari, CEO da Fendi, que financiou a obra
O patrocínio privado de obras de restauro em monumentos italianos se tornou possível a partir de uma lei de 2004, que deu às marcas liberdade para gerir todo o processo. As grandes maisons e joalherias, no entanto, só se interessaram por esse modelo de investimento no final dos anos 2000, quando a crise econômica abalou a Europa. Em 2008, a joalheria Bulgari anunciou que financiaria parte da restauração da Ponte dos Suspiros, em Veneza, cujo custo total batia na casa dos 2,8 milhões de euros (R$ 11,5 milhões). Em contrapartida, durante a obra a ponte foi coberta por anúncios gigantescos da empresa, o que gerou a revolta dos moradores da cidade.
Três anos depois, outro caso de patrocínio luxuoso gerou polêmica, dessa vez em Roma. A marca de sapatos Tod’s se ofereceu para doar 25 milhões de euros (R$ 102,9 milhões) para a recuperação do Coliseu, um dos maiores patrimônios culturais da humanidade. Depois de anos de negligência por parte do estado, o anfiteatro sofria com rachaduras e a ação da poluição. Descontentes com o acordo, entidades civis se posicionaram contrárias à iniciativa, por receio de que o marco se tornasse uma propriedade da Tod’s. A obra teve seu início adiado para 2013 e deve ser concluída em 2016. Na época do anúncio do financiamento, Diego Della Valle, presidente da Tod’s, disse que esperava que sua decisão influenciasse outros empresários a salvar a herança cultural da Itália e foi exatamente isso o que aconteceu. Desde que a marca decidiu patrocinar a revitalização do Coliseu, o número de grifes que financiam a restauração de pontos com alto valor histórico e cultural no país não pára de crescer. A própria Bulgari iniciou recentemente a recuperação da escadaria da Praça Espanha, também em Roma. Já a marca de jeans italiana Diesel está investindo na reforma da Ponte Rialto, em Veneza.
INICIATIVA
Diego Della Valle (acima), dono da marca de sapatos de luxo Tod’s doou 25 milhões
de euros para a recuperação do Coliseu (abaixo)
Durante a reinauguração da Fontana di Trevi, a Fendi revelou que irá bancar o restauro de mais quatro fontes na capital italiana. “Trata-se de um ato de amor da Fendi para Roma”, disse Pietro Baccari, CEO da grife. Agora o governo italiano espera encontrar um patrocinador privado para a esperada reforma do Domus Aurea, a Casa Dourada, palácio construído pelo imperador Nero (37 d.C.-68 d.C.) em Roma em 68 d.C., com custo estimado em 34 milhões de euros (R$ 139,9). Dario Franceschini, ministro da cultura na Itália, admitiu que o governo não pode bancar essa obra porque “tem recursos muito limitados”. Resta saber se algum mecenas de luxo vai topar essa empreitada.
Fotos: AP Photo/Gregorio Borgia, Divulgação, lapresse/Roberto Monaldo