Um escândalo. Assim o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso definiu o mais recente retrocesso cometido no triste palco do Congresso Nacional. Um grupo de deputados – 19, para ser exato – votou pela revogação do Estatuto do Desarmamento em uma comissão especial da Câmara.

A depender da Bancada da Bala, os brasileiros poderão comprar armas de fogo à vontade e transformar o País num imenso faroeste, ampliando o arremedo barato que se faz aqui da sociedade consumista e litigiosa dos Estados Unidos, onde há séculos impera o “olho por olho, dente por dente” nessa questão.

Triste é o país em que os cidadãos do bem precisem andar armados para se sentir seguros. Triste é o país em que é preciso um revólver na cintura para impor seu ponto de vista em questões políticas e religiosas, quando não em prosaicas brigas de trânsito. O Estatuto do Desarmamento foi uma construção política na sociedade brasileira, que reduziu em mais de 160 mil mortes a estatística macabra de assassinatos a bala nos últimos dez anos, desde o referendo popular de 2005. “Como é que vamos agora derrubar este estatuto e permitir que pessoas, até criminosos, tenham, legitimamente, armas? Isto é um escândalo”, reagiu FHC. Ele tem razão.

É um crime lesa-pátria baixar a idade de 25 para 21 anos para quem quiser portar armas de fogo, como pretendem os “distintos” deputados. É um crime liberalizar a compra e o porte de máquinas mortíferas, que transformam ingênuos em presa fácil dos bandidos e realimentam, ao serem roubadas, o crime “organizado”. Nos Estados Unidos, os números mostram que a população armada legalmente mata mais e morre mais do que em ataques terroristas. Neste ano, o número de chacinas (aqui definidas como ataques a bala com pelo menos quatro vítimas) é assustador: 382 até 25 de outubro, com a morte de 384 pessoas e 1.162 feridos, segundo o site Mass Shooting Tracker.

Todos os anos, mais de 10 mil americanos perdem a vida com balas cravadas no corpo. É o triplo dos assassinados no trágico 11 de Setembro. Lá, os assassinatos em massa nem sempre são notícia na mídia dominante. Pois bem: somente nas escolas, mais de 40 estudantes mataram os coleguinhas e os professores em 2015, segundo o jornal “The New York Times”. Num mundo cada vez mais intolerante, isso é assustador. Os repetidos apelos do presidente Barack Obama pela restrição da venda de armas a cada massacre estudantil são palavras ao vento. Causa arrepios a ideia de que qualquer um tem o apoio do Estado para viver com o dedo no gatilho.

Em julho passado, em viagem de carro pela rica região montanhosa de Catskills, no estado de Nova York, entrei numa rua sem saída, em um bosque. Tinha chegado ao meu destino, segundo o GPS, mas encontrei uma casa rodeada de arame farpado. Queria pedir informação, mas assustei-me com uma placa na porta. “Trespassers will be shot”, escreveu o proprietário, em clara ameaça de atirar nos supostos invasores (no caso, eu). “If you survive, I will shoot again” (se você sobreviver, atirarei novamente”), arrematava. Com medo de virar estatística, engatei a ré e dei no pé. Que pena. Em Catskills, até os gatos (cats) te matam (kill), lamentei. Quem é que precisa importar esse modelo socialmente nefasto e suicida? Criminosos e fabricantes de armas ganharão muito se o assassinato do Estatuto do Desarmamento não for revertido a tempo. A vítima pode ser você. 

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