O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Marinho, 42 anos, nascido em Cosmorama, no interior de São Paulo, em 1959, ano em que a Volkswagen lançava a Kombi, não precisou mais do que um curso de madureza (o atual supletivo) para desembarcar na Alemanha, quinta-feira 15, cheio de argumentos para convencer Peter Hartz, vice-presidente mundial de recursos humanos do grupo alemão – que acaba de anunciar um aumento surpreendente de 10% no faturamento do terceiro trimestre – de que a VW do Brasil, ou seja, Herbert Demel, o presidente da subsidiária, comete um erro estratégico ao demitir três mil, decisão anunciada em carta enviada pelo correio à casa dos funcionários.

Marinho, que aos 15 anos trabalhava na lavoura e hoje é aluno do segundo ano de Direito, quer negociar. “Vou falar com o chefe do chefe”, disse. Já fez isso três outras vezes e deu certo. Em 1998, Marinho e Hartz se conheceram quando o executivo veio ao Brasil intermediar um acordo similar ao proposto agora. Naquele ano, os trabalhadores aceitaram reduzir jornada e salários em 15%, com compensações. Este acordo, que evitou a dispensa de 10 mil empregados, vigorou até julho último. No ano passado, foi aos Estados Unidos encontrar-se com a direção da Ford e obteve garantia de emprego por cinco anos. No início de 2001, voltou aos Estados Unidos para se encontrar com dirigentes da Multibrás, e conseguiu adiar o fechamento de fábrica da empresa no país.

Marinho está mudando o sindicalismo. Ou, conforme artigo dos professores Hélio Zylberstajn e Iram Jácome Rodrigues, da FEA/USP, publicado na Folha de S.Paulo, está criando um novo “novo sindicalismo”. Quer dialogar com os patrões, sabendo que a Volkswagen de hoje – e o setor automobilístico como um todo – não é a mesma de uma década atrás. “Não vamos pisar em uma única flor do jardim da VW”, disse ele no início da greve, segunda-feira 12, alertando seus companheiros sobre o risco de “algum infiltrado” depredar a fábrica. Foram-se os tempos do confronto agressivo, na época da ditadura militar.

O que Marinho levou a Wolfsburg, pequena cidade do norte da Alemanha (125 mil habitantes, onde funciona o quartel general da VW), é a proposta de um acordo de longo prazo, para lançamento de novos produtos pela fábrica Anchieta, onde trabalham 16 mil pessoas. Ele quer que a montadora volte atrás nas três mil demissões que considera necessárias para atacar o problema da competitividade com novos produtos. “Você se lembra do carro novo da VW?”, ele pergunta. “Provavelmente, não. A VW de São Bernardo do Campo só produz coisas antigas.” Coisas antigas são a Kombi, que tem a idade de Marinho, o Santana, de 1984, e o Gol, dos anos 80, além da Saveiro. Marinho prevê ainda que a montadora poderá demitir outros quatro mil funcionários na fábrica Anchieta nos próximos dois anos. “Nesse período, eles devem parar de produzir a Kombi e o Santana”, disse.

O que ele quer lembra o que a VW fez na Alemanha, em agosto: um acordo para a criação de cinco mil empregos nos próximos três anos. Com a pressão do primeiro-ministro alemão, Gehard Schroeder, o maior sindicato do país, o IG Metall, convenceu a empresa de que era a hora de combater o desemprego, de 9,9%, índice alto para países desenvolvidos. Em troca de vagas, o sindicato concordou numa redução de 20% nos salários dos novos contratados.

O argumento do desemprego aqui seria perfeito: segundo a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), todos os postos de trabalho criados no ano passado na indústria paulista (27.416 vagas) foram perdidos entre os meses de junho e outubro (28.433). O sindicato, aqui, também concorda em fazer concessões, como reduzir jornada de trabalho e salários com compensação de renda, isto é, alguma coisa como bônus ou participação nos lucros que complementa o salário, mas não implica encargos. Também concorda com o esquema turn over de demissões, mas, não da “maneira perversa” proposta pela empresa: 0,5% ao mês, o que significa 6% ao ano, ou seja mil empregados por mês. “As demissões devem ser decididas levando-se em conta o desempenho do funcionário”, diz Marinho, acrescentando que isso não aconteceu na lista dos três mil. Foram demissões, segundo ele, decididas sem planejamento, sem critério e sem nenhuma preocupação social. A Volkswagen, segundo os metalúrgicos, quer reduzir o custo dos salários que, segundo estimativa de analistas do setor, representa 11% no preço final dos carros. A meta da montadora, com a substituição por novos funcionários, seria reduzir essa porcentagem para 6% ou 7%. “Os nossos salários são mais altos que a média do setor, mas nada que se compare aos US$ 3.500 pagos na Espanha e aos US$ 5.000 da Alemanha – para onde a VW deve transferir a produção do novo Golf”, afirma.

Sua proposta principal é investir. Por exemplo, na implantação, na fábrica Anchieta, de uma plataforma para o Tupy versão Europa, modelo desenvolvido na engenharia da fábrica e aprovado pela matriz. O investimento seria de US$ 1 bilhão, para a produção anual de 70 mil veículos. A empresa não confirma nada, mas o que corre no setor é que o projeto Tupy – que já estaria com os fabricantes de autopeças – vai substituir o Golf na fábrica do Paraná. A VW também é reservada em relação à greve, limitando-se a manifestar o andamento das negociações em comunicados oficiais. “A situação da VW no Brasil não é fácil”, diz o secretário-geral do Conselho Mundial de Funcionários da VW, Hans Jurgen Uhl. “As fábricas Anchieta e Taubaté são antigas e diminuíram bastante seu pessoal nos últimos anos… A Anchieta chegou a ter 40 mil funcionários.”

Bons tempos aqueles. A VW tinha metade do mercado doméstico. Hoje tem 27% e a Fiat no calcanhar, com 26%. Aí entra a sabedoria de chão de fábrica de Marinho, funcionário da pintura da VW. “Nós não somos responsáveis pela queda de mercado”, disse ele numa das assembléias. “A empresa perde mercado porque não lança novos produtos.”