A maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial vem produzindo tragédias diárias, mas uma delas chamou a atenção nos últimos dias: o crescente número de crianças e adolescentes que chegam desacompanhados à Europa. A Agência da ONU para Refugiados estima que, das mais de 330 mil pessoas que atravessaram o Mar Mediterrâneo neste ano, 15% sejam crianças. Boa parte delas conseguiu o feito sem seus pais ou algum adulto responsável. No ano passado, 24 mil menores nessas condições pediram asilo à União Europeia. Diante do atual fluxo recorde, o contingente pode dobrar em 2015. Sujeitas ao tráfico humano, à prostituição e a toda forma de exploração, os jovens vêm de países devastados pela guerra, como Eritreia, Iraque, Líbia e Síria, na esperança de que consigam terminar seus estudos e construir um futuro de paz.

CRIANCA-01-IE.jpg
TRAVESSIA
Menores embarcam em trem para a Sérvia: lá, uma em
cada quatro crianças chegam sem suas famílias

O que encontram, no entanto, está longe disso. Na ilha de Kos, uma das principais portas de entrada de refugiados na Grécia, menores desacompanhados foram colocados em delegacias e prisões ao lado de criminosos adultos. De acordo com o jornal britânico The Independent, lá elas recebem apenas uma refeição por dia e são algemadas quando precisam ser transferidas para outro local. Além disso, as condições de higiene nas celas seriam precárias. Para as autoridades gregas, essa é uma maneira de mantê-las seguras. Como chegam sozinhas, diz o governo, elas ficam sob a tutela do Estado até obterem um guardião legal.

Os efeitos da tragédia podem ser permanentes. Segundo Selcuk Sirin, professor de Psicologia Aplicada da Universidade de Nova York, as crianças que perderam parentes e se vêem em terra estranha têm enorme risco de desenvolver problemas mentais, como estresse pós-traumático e depressão. Ao realizar uma pesquisa na Noruega com menores desacompanhados, Sirin detectou que, quando eles são recebidos com recursos no país anfitrião e mantêm laços com sua cultura nativa, essas doenças podem ser evitadas. “As crianças são mais resilientes do que pensamos, contanto que lhe demos uma chance e isso significa educação e saúde de qualidade”, disse à ISTOÉ. “Tratar os refugiados de uma maneira diferente da que tratamos nossas próprias crianças tem graves consequências. Quando eles perdem a esperança de um futuro melhor, são presas fáceis para organizações terroristas e o crime organizado.”

01.jpg
SOZINHAS
Crianças choram enquanto migrantes tentam forçar barreira
policial entre a Grécia e a Macedônia

Apesar de muitos deles se tornarem órfãos na travessia, a adoção é um tema delicado. “Unir as famílias deve ser uma prioridade”, afirma Sirin. Em muitos casos, os pais mandam adolescentes na frente para conseguirem educação formal e asilo, abrindo espaço para que, em breve, o restante da família possa se mudar para a Europa também. Em países como a Alemanha, as autoridades entendem que, nessas situações, os pais abriram mão da guarda dos filhos. Na Inglaterra, as chances de extradição ao completar 18 anos são altíssimas. Isso porque elas recebem autorização para permanecer no país enquanto “crianças desacompanhadas em busca de asilo” mesmo quando seus pedidos de residência permanente foram rejeitados. Mas, ao chegar à maioridade, precisam regularizar a situação e acabam rejeitadas. Segundo o Ministério do Interior do Reino Unido, nos últimos dez anos, quase 3 mil adolescentes tiveram que voltar para seus países nessas condições.

IE2395pag66e67_InterRefugiados-2.jpg

Fotos: AFP PHOTO / ROBERT ATANASOVSKI, EPA/GEORGI LICOVSKI