Na quarta-feira 21, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi alvo de protestos enquanto concedia entrevista no Salão Verde, a antessala do plenário. Entre outros assuntos, ele comentava as pedaladas fiscais, como ficaram conhecidas as manobras do governo reprovadas pelo Tribunal de Contas da União. Dizia a jornalistas que a pedalada virou motocicleta, ao se referir sobre a reincidência da ilegalidade nas contas de 2015. Um grupo de dez pessoas carregando cartazes com o rosto do peemedebista se aproximou e dirigiu a ele expressões como “Fora, Cunha” e “Vá para a Suíça”. Durante a manifestação, Cunha manteve-se silente e, ao deixar o local, classificou o ato como algo normal, parte da democracia. Carregando sua aparente fé inabalável, seguiu então para o gabinete da liderança do PMDB. Lá era aguardado por um séquito de parlamentares aliados, que resolveram homenageá-lo por ser um dos expoentes do PMDB na Câmara. A julgar pelo momento atravessado pelo peemedebista, que teve suas contas secretas na Suíça bloqueadas pelo STF na quinta-feira 22, a cena combinou o cômico com o grotesco. A inacreditável sessão de reverência terminou com uma salva de palmas seguida da fixação de uma foto de Eduardo Cunha na galeria de líderes do partido na Casa.

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PELA SOBREVIVÊNCIA
Vivendo seu calvário político, Eduardo Cunha promete ‘levar junto’ quem abandoná-lo

A presença numerosa de correligionários no evento de homenagem ao presidente da Câmara é sintomática do prestígio que Cunha continua a desfrutar na Casa, a despeito da avalanche de informações sobre as contas bancárias mantidas por ele na Suíça. No total, estima-se que o peemedebista controle hoje a maior bancada do Congresso, com cerca de 100 parlamentares – o PMDB contabiliza 66 deputados, o PT 62 e o PSDB 54. Para arregimentar esse exército, Cunha colocou em marcha as mais condenáveis práticas políticas, mas que soa como música aos ouvidos de um Congresso marcado pelo fisiologismo. Acomodou colegas em cargos estratégicos da máquina federal e estadual, trocou apoio político por financiamento eleitoral e teria irrigado campanhas de prefeitos em 2012 e deputados em 2014 com dinheiro da propina da Petrobras, segundo revelou o lobista Fernando Baiano em delação premiada. “O deputado pressionava em busca de verbas para a campanha dos políticos de seu partido”, afirmou Baiano.

Evidente que ao intermediar doações de campanhas e repartir a dinheirama desviada da Petrobras com correligionários, Cunha acumulou um polpudo capital político e virou credor de um batalhão de parlamentares. Agora, vivendo o seu calvário político, o presidente da Câmara espera retribuição. Em seu gabinete, Cunha guarda uma lista de deputados agraciados com seus préstimos nada republicanos. O relatório contendo dezenas de congressistas ganhou o apelido de “manual de sobrevivência”. Os identificados como mais sensíveis à opinião pública sofrem marcação pressão. Num duro telefonema a um deputado do PMDB fluminense, Cunha chegou às raias da ameaça: “Levo muita gente junto. Não caio sozinho”, afirmou o peemedebista. Numa conversa com outro deputado, desta vez de Minas Gerais, Cunha ameaçou tornar público o auxílio financeiro conferido a ele na campanha de 2014. Para não abrir sua caixa de Pandora, o presidente da Câmara cobra a permanência no comando da Casa e a manutenção do seu mandato, sob risco no Conselho de Ética.

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Hoje, compõem sua tropa de choque parlamentares como André Moura (PSC-SE), Paulinho da Força (SD-SP) e Marcelo Aro (PHS-MG). As bancadas evangélica e da bala também estão empenhadas em convencer colegas a preservar o presidente da Câmara. São grupos bem articulados e que nos últimos meses, com o apoio de Cunha, viram temas de seu interesse prosperar no Parlamento. Por exemplo, graça a influência do parlamentar, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou na quarta-feira 21, por 37 votos a 14, proposta de autoria do peemedebista que torna crime induzir ou auxiliar uma gestante a abortar. O tema foi incluído na pauta pela bancada religiosa, onde Cunha transita com desenvoltura.

Por ora, o espírito de corpo prevalece. Não se sabe até quando. Um deputado do PMDB afirmou que a estratégia traçada por Cunha para tentar preservar o mandato pode enfrentar dificuldades com o cerco se fechando sobre ele. “Se o Supremo aceitar a denúncia, vai ficar difícil segurá-lo”, disse. Os procuradores da República estão empenhados em desvendar o destino do dinheiro que transitou pelas contas descobertas pelo Ministério Público na Suíça, o que pode levar a outros esquemas de corrupção. Até agora, Cunha apareceu como beneficiário de pagamento feito lobista João Augusto Henriques, que intermediou negociação da Petrobras em campo de exploração de petróleo no Benin. O que significa desvendar eventuais políticos beneficiados com o dinheiro movimentado nas contas suíças. Cunha tentou resguardar no Supremo o sigilo dessas investigações. O ministro Teori Zavascki negou. Na quinta-feira 22, Zavascki autorizou o bloqueio e o sequestro de R$ 9,4 milhões depositados em contas secretas no exterior de Cunha e familiares. A decisão foi necessária para evitar a retomada de transações pelo peemedebista.