A Transparency International, uma organização não governamental sediada em Berlim, na Alemanha, mede o nível de corrupção em 175 países desde 1993. Seus últimos levantamentos apontam a Dinamarca, a Finlândia, a Nova Zelândia e a Suécia como as quatro nações menos corruptas do mundo. Há em comum entre esses quatro países uma severa lei anticorrupção e uma moderna e eficiente legislação sobre os chamados acordos de leniência. São instrumentos que reduzem as penas e permitem que as empresas envolvidas na formação de cartéis e em outros propinodutos continuem com as portas abertas e mantenham seus investimentos, desde que contribuam com as investigações, se comprometam a adotar novas condutas e ajudem os órgãos controladores dos governos a elaborarem mecanismos que impeçam a repetição dos crimes.

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INVESTIGAÇÃO
Depois de sofrer busca e apreensão da Polícia Federal,
a Camargo Correa fez acordo de leniência com o CADE

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No Brasil, País que ocupa o 69º lugar no ranking da corrupção elaborado pela Transparency International, os acordos de leniência são vistos com desconfiança e ainda não são tratados como mecanismos de enfrentamento da corrupção. Apesar de mencionados em lei desde 2000, os acordos de leniência previstos em nossa legislação anticorrupção são instrumentos confusos, não estão devidamente regulamentados pelo Congresso e envolvem oito agentes estatais de diferentes competências e interesses, o que não transmite às empresas envolvidas em más condutas a segurança suficiente para que se tornem aliadas no combate ao crime. Mas, as descobertas feitas pela Operação Lava Jato no último ano tornam flagrante a necessidade de o País aprimorar e consolidar essa legislação, assim como foi feito nos países mais desenvolvidos. Especialistas são unânimes em afirmar que, para combater os desvios de dinheiro público, esses acordos são ferramentas tão importantes quanto as delações premiadas usadas no enfrentamento do crime organizado. “Buscar os acordos de leniência não significa aceitar ou tolerar a corrupção, mas fazer com que as empresas colaborem e contribuam com as investigações”, afirmou o ministro Luís Inácio Adams, da Advocacia Geral da União (AGU). “Não se trata de defender a empresa, mas de preservar a atividade econômica, os empregos e o investimento”, completou o ministro.

O desenvolvimento das investigações da Operação Lava Jato consolidaram no Brasil a delação premiada como um legítimo instrumento de investigação. Agora, o juiz Sérgio Moro e membros do Ministério Público que comandam as apurações centralizadas em Curitiba (PR) defendem o aprimoramento dos acordos de leniência para que as empresas envolvidas possam não só ajudar a agilizar as investigações como manter suas atividades. “Se somarmos as delações premiadas a acordos de leniência poderemos concluir as investigações mais rapidamente e até evitar que companhias necessárias para a construção da infraestrutura brasileira venham a quebrar”, disse na semana passada um dos procuradores que atuam na Lava Jato. “As empresas não deixam de ser punidas, mas precisamos manter os empregos e não podemos permitir que os prejuízos sejam maiores do que os já causados pelos crimes investigados”, defende o secretário de Políticas Públicas de Emprego, do Ministério do Trabalho, Giovanni Correa Queiroz.

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De acordo o Caged (Cadastro de Empregos com Carteira Assinada), desde o início da operação que investiga o propinoduto instalado na Petrobras, a construção civil registrou uma perda de 250 mil empregos no País. “Uma das principais causas disso é a Lava Jato, pois estão envolvidas nas investigações as maiores empreiteiras do Brasil e 70% do setor tem contrato com a Petrobras”, avalia Vilmar Santos, presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada. Em Itaboraí, município do Rio de Janeiro onde a Petrobras investe na instalação de um complexo petroquímico, as demissões em massa criaram praticamente uma cidade fantasma. Envolvidas nas investigações da Lava Jato, Queiroz Galvão, Iesa Óleo e Gás e Tecna Brasil promoveram uma série de demissões. O projeto da Petrobras foi adiado e o que era uma economia pujante passou a referência de desemprego. “A maior parte das empresas está envolvida na Lava Jato. Os canteiros estão abandonados no entorno do Comperj e as empreiteiras estão indo embora sem terminar a obra”, lamenta o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e de Integração com o Comperj, Luiz Fernando Guimarães. Uma situação que poderia ser evitada se a legislação brasileira sobre os acordos de leniência estivesse preparada. “Os acordos de leniência permitem que as empresas continuem suas obras, sem que haja pacto com o crime”, diz o presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira.

Os especialistas avaliam que se a legislação brasileira sobre os acordos de leniência já estivesse bem regulamentada, com todos os agentes envolvidos falando uma mesma língua, as investigações da Lava Jato estariam mais adiantadas, as obras não estariam paralisadas e boa parte do dinheiro desviado já poderia ter voltado aos cofres públicos. Na CGU já foram abertos 29 processos administrativos para investigar possíveis fraudes em contratos da Petrobras no âmbito da Lava Jato. Desses, apenas seis empresas manifestaram interesse em fazer acordo de leniência: OAS, Galvão Engenharia, Engevix, UTC, SOG Óleo e Gás e SBM Offshore.

No Cade, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do Ministério da Justiça, que visa coibir a formação de cartéis, foram acertados dois acordos de leniência e um Termo de Compromisso de Cessação (TCC). Em março, foi firmado o acordo com a Setal Engenharia e Construções, em conjunto com o Ministério Público Federal do Paraná. Na ocasião, as empresas admitiram a formação de cartel, forneceram informações e apresentaram documentos que comprovaram a prática criminosa. Em julho, o acordo foi feito pela Construções e Comércio Camargo Correa, que admitiu a formação de cartel na licitação das obras de montagem eletromecânica da usina de Angra 3. Em agosto, a mesma empresa firmou um TCC em processo que apura a pratica de cartel em obras civis no setor de óleo e gás em licitações da Petrobras. Pelo acordo, a empresa deverá pagar uma multa de R$ 104 milhões. Também está para finalizar acordo com a CGU a holandesa SBM Offshore, que tem interesse em continuar a fornecer plataformas à Petrobras. Para tanto, a empresa terá que pagar uma indenização de R$ 1 bilhão à União.

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Nas próximas semanas, tanto na Câmara como no Senado novas reuniões deverão ocorrer no sentido de acelerar a regularização dos acordos de leniência no Brasil. Assim como ocorreu nos países que há anos adotam esses procedimentos, os executivos brasileiros querem ter garantias de que os acordos de fato irão reduzir penas, permitir que as empresas continuem a trabalhar e promover novos padrões de condutas tanto por parte do poder público como por parte do capital privado a fim de que a corrupção seja combatida.

Foto: Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem; Adriano Vizoni/Folhapress