Num país em que ler ainda é um luxo, comparecer a feiras de livro em escolas de periferia ou participar de encontros com o público fora do circuito cultural dos grandes centros passou a ser uma atividade frequente não só para escritores em busca de reconhecimento, mas também nas agendas atribuladas de famosos como Inácio de Loyola Brandão ou Lygia Fagundes Teles, com assento e fardão da Academia Brasileira de Letras. Eles viajam pelo Brasil inteiro. Há duas semanas, por exemplo, o compromisso foi com a Feira de Livro de Bauru (SP), realizada de 3 a 11 de novembro, que levou 30 escritores a cerca de três mil pessoas. Outra recente prova do sucesso desses eventos foi a Feira do Livro de Ribeirão Preto (SP), em setembro. Reuniram-se na cidade 200 escritores para um público de 120 mil pessoas, entre elas 60 mil estudantes. Além desses, pipocam pelas capitais iniciativas de menor audiência, mas de grande efeito para leitores e autores.

Uma delas é a Esquina da Palavra, programa organizado pelo Itaú Cultural, também em São Paulo. O objetivo é juntar quem produz e quem consome conhecimento em bate-papos informais. Na segunda 5, foi a vez do músico e escritor Nelson Motta partilhar com o público suas experiências. Autor de seis livros e de músicas de sucesso como Como uma onda no mar, conhecida na voz de Lulu Santos, e Perigosa, cantada pela irreverente Rita Lee, Motta se surpreende com o forte interesse dos jovens. “Os que não viveram esses anos de grande produção cultural são os mais sedentos”, afirmou, antes de embarcar para uma Roda de Leitura em Porto Alegre (RS), organizada pelo Centro Cultural Banco do Brasil.

A advogada Eliana Rozenkwit, 25 anos, e a agente de viagens Dora, sua mãe, foram pela primeira vez ao Esquina da Palavra e gostaram do jeito descomprometido com que Motta fala sobre sua vida. “Ele não é nostálgico. Tem o dom de descobrir o que é bom e gosta de dividir isso com os outros”, diz a filha. A publicitária Maysa Ribeiro, 23 anos, e a estudante Vanessa Vantini, 20 anos, vêem na oportunidade uma forma de descoberta. “Quando lemos um livro, idealizamos o autor. É legal saber como ele é realmente”, diz Vanessa.

Esses encontros são um prato cheio para quem tem a escrita como profissão, mas certamente também para os leitores, que vêem na oportunidade uma janela para o mundo do autor. Eles podem bisbilhotar a vida cotidiana de quem era apenas um nome na estante, conhecer suas manias e métodos de criação. Uma leve invasão que os ídolos vêm com bons olhos. “É uma forma de desmitificar a figura do escritor, que muitas vezes parece tão distante”, opina Loyola. O escritor conta que, nos anos 70, falou brincando numa entrevista que escrevia nu e até hoje é questionado sobre isso. “As pessoas entenderam isso como um ritual de criação”, diverte-se. Para Loyola, falar de literatura é, claro, uma delícia, mas o público mais interessante para ele é justamente o menos literato. “Vejo bem isso quando dou palestras em faculdades de exatas. Os alunos ficam excitados com este mundo subjetivo”, avalia. Ele explica que, na verdade, “o corpo a corpo” com o leitor sempre fez parte de seu trabalho. “Já falei sobre meus livros em estação rodoviária, em Igreja. Se tenho um público fixo, devo a isso”, conclui. Lygia Fagundes Teles gosta de repetir Camões quando fala dos encontros com o povo. “Estou em paz com a minha guerra. Encontrar os seus leitores é a maior celebração que existe para quem escreve. O leitor é um cúmplice”, diz. Lygia, no entanto, faz questão de lembrar que seduzir o leitor no Brasil ainda é um trabalho árduo. “Somos muito colonizados. Sem conhecer a produção nacional, muita gente prefere os autores estrangeiros”, reclama a escritora, que prepara uma história infanto-juvenil para lançamento no final do ano.

Compras culturais – Se antes os autores tinham que divulgar sua obra até em fila de ônibus, hoje encontram espaços dos mais diversos prontos para recebê-los. Por isso, não estranhe se um simples passeio no shopping se transformar numa atividade literária. Desde março, os frequentadores do SP Market, de São Paulo, podem pelo menos uma vez por mês juntar um pouco de cultura às compras de sábado à tarde. É o projeto Escritor na Praça, do Shopping SP Market, que começou com Lygia e do qual já participaram Loyola, Ruy Castro, Moacyr Scliar, Ivan Ângelo e Luiz Vilela. Estão no programa: Milton Hatoum, para 17 de novembro, e Carlos Heitor Cony, 8 de dezembro. Com duração de uma hora e meia, o programa visa aproximar o público dos criadores de contos, romances, crônicas e ensaios. O escritor abre o evento lendo trechos de suas obras e depois fica à disposição para perguntas.

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