Ator fala sobre sua decepção com o partido, explica como a crise atinge o teatro e diz que o marketing determina a cena cultural

Há 50 anos Antonio Fagundes estreava com a peça “Farsa com Cangaceiro, Truco e Padre”, no Teatro Arena, em São Paulo. Foi o primeiro cheque que ele recebeu na vida, costuma brincar o ator de 66 anos.

 

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CENSURA
‘Na época da ditadura, os espertos conseguiam falar pelas entrelinhas’

 

Hoje, do alto de uma trajetória de dezenas de espetáculos, novelas e filmes, Fagundes está em cartaz com “Tribos”, ao lado de Bruno, 26 anos, seu filho mais novo – é a terceira vez que atuam juntos. O espetáculo trata de uma família disfuncional composta por um casal de intelectuais e seus três filhos: um esquizofrênico, uma cantora e um surdo.

 

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"Eu tenho a maior inveja das lutas de MMA. Quando um combate
acontece, cerca de 30 mil pessoas assistem ao evento.
Com 30 mil, eu loto esse teatro durante seis meses"

 

Carioca criado na capital paulista, o ator falou à ISTOÉ sobre como a platéia mudou ao longo dessas décadas de trabalho, a crise da política nacional e a cena cultural brasileira. 

 

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"Tem um monte de gente famosa que você olha e diz ‘é fulano’, não
importa o personagem que ele faz. O Marlon Brando é um desses"

 

ISTOÉ

 A atual crise econômica que o Brasil atravessa atrapalha o teatro?

Antonio Fagundes

 Muito. Mas tudo atrapalha o teatro. O que mais prejudica é o entorno: o trânsito, o clima, a violência, a falta de estacionamento. Você nem chega ao teatro e já tem um milhão de problemas para enfrentar. A crise econômica é mais um fator.

ISTOÉ

 Como o sr. vê a forma como o Brasil está sendo governado?

Antonio Fagundes

 Vou começar falando da minha área, que é a cultura. Um país com um Ministério da Cultura que tem esta dotação orçamentária não está se levando a sério. Mas isso não é culpa de um governo específico, as coisas vêm acontecendo assim há muitas décadas. E para mudar tem que mudar mesmo. Não adianta fazer uma reforminha, tirar um político e botar outro. A gente vai ter mais um desilusão se isso acontecer.

ISTOÉ

 O sr.votou na presidente Dilma Roussef nas últimas eleições?

Antonio Fagundes

 Por sorte eu estava em Portugal, então não tive que votar. Eu não votaria na Dilma, mas nós também não temos uma oposição. E eu odeio imaginar que vou anular ou votar em branco. O voto é uma possibilidade que temos na mão para participarmos, para mudarmos esta porcaria. Votar em branco ou anular é jogar fora essa oportunidade. Eu teria um grande problema se tivesse que votar, como terei na próxima eleição.

ISTOÉ

 Em quem o sr. votaria?

Antonio Fagundes

 Pois é, esse seria o meu problema. Na Marina Silva com certeza não. Ela é uma pessoa que some. Sumiu agora e só vai aparecer na próxima eleição. Eu gostaria muito de ver o Aécio Neves com uma proposta de governo. Estão falando muito de impeachment, mas qual é a alternativa?

ISTOÉ

 O senhor é a favor do impedimento da presidente?

Antonio Fagundes

 Não, a gente poderia banalizar a eleição e isso é perigoso. O impeachment é uma figura legal bastante interessante e deve ser preservada, mas não pode ser utilizada a torto e a direito.

ISTOÉ

 Em quem o sr. votou em 2010?

Antonio Fagundes

 Eu votei na Dilma.

ISTOÉ

 O sr. pretende votar no PT em 2018?

Antonio Fagundes

 No PT eu não voto mais. Todo mundo que votava no partido e brigava por ele fazia isso por uma integridade que estamos vendo que não existe. Era o meu caso. Eu mudei bastante quando deixei de ver essa ética pela qual lutei e acreditei.

ISTOÉ

 O Brasil tem hoje uma política cultural?

Antonio Fagundes

 Não, nunca teve. É muito difícil você fazer uma política cultural sem dinheiro. Não adianta nada você construir museu se você não tem acervo. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem um monte de museus que não têm acervo em nenhum. Alguns deles estão caindo aos pedaços porque não têm verba para manter o patrimônio.

ISTOÉ

 Como o sr. avalia a Lei Rouanet?

Antonio Fagundes

 A Lei Rouanet é outro exemplo de ausência de política cultural. O governo te entrega na mão do mercado. Hoje em dia, quem determina a política cultural do Brasil são os gerentes de marketing.

ISTOÉ

 E esses profissionais de marketing entendem de teatro?

Antonio Fagundes

 Eles não entendem p… nenhuma de teatro. Você vê o seu produto, que é um produto cultural, servindo como brinde de empresa. Eles dizem assim: “É para rir? Se não for pra rir eu não quero”. Então, se não for para dar risada você não tem a verba. É uma censura.

ISTOÉ

 Mais perversa do que a praticada no início da carreira do sr., há 50 anos?

Antonio Fagundes

 Eu acho mais perversa do que a censura do passado. Na época da ditadura militar, você era capaz de fazer o seu espetáculo passar se  fosse esperto e falasse nas entrelinhas. Eu mesmo fiz um monte de espetáculos assim. Naquela época você ainda era capaz de se dirigir ao público. Mas sem dinheiro você não consegue nem isso.

ISTOÉ

 A lei da meia-entrada acaba de ser regulamentada. O sr. é contra?

Antonio Fagundes

 A meia-entrada virou uma farra. Em Paulínia (município no interior de São Paulo), por exemplo, morador da cidade paga meia-entrada. Mas se eu me dirigi para Paulínia fui para mostrar para o morador de Paulínia! Estou reduzindo minha receita em 50% de cara. Não sou contra a meia-entrada, sou contra alguém gerenciando ela por mim. Sou a favor quando eu mesmo quiser atingir determinado público. Talvez, se pudesse dirigir a meia para um pessoal da periferia que não tem condições de vir seria melhor do que dirigir para aquele cara que paga no estacionamento a diferença.

ISTOÉ

 O seu espetáculo se mantém só com bilheteria. Isso seria possível caso o sr. não fosse o Antônio Fagundes?

Antonio Fagundes

 O nome ajuda, você tem mais facilidade na hora de lançar. Mas quando o nome é famoso e o espetáculo é ruim isso acaba se espalhando mais rápido. De qualquer maneira, acho que é possível e prefiro a possibilidade de me dirigir direto ao público. Inclusive esse é outro problema do patrocínio: a partir do momento que você tem um espetáculo pago por uma empresa, há tendência natural de se afastar do público. Você não precisa mais dele.

ISTOÉ

 Como atrair o público?

Antonio Fagundes

 Eu tenho a maior inveja das lutas de MMA. Quando um combate acontece, cerca de 30 mil pessoas assistem ao evento. Com 30 mil pessoas, eu loto esse teatro durante seis meses. Eu queria saber o que o MMA fez para atrair essas pessoas com o preço do ingresso a R$ 750.

ISTOÉ

 O que mudou entre o seu primeiro trabalho, que está completando 50 anos, e o mais recente?

Antonio Fagundes

 Eu comecei com 16 para 17 anos e, nesse tempo,  as pessoas mudaram. Antigamente, havia um público jovem muito atuante no teatro. Atualmente você fala com pessoas mais velhas e naturalmente muda a sua relação com a plateia, o seu repertório. Antes havia um conhecimento maior do que era o seu público e quais eram as possibilidades até de chocá-los. Hoje em dia você não sabe mais.

ISTOÉ

 O sr. consegue chocar no espetáculo em cartaz?

Antonio Fagundes

 A peça fala sobre como, na era da informação, nós nunca fomos tão surdos em relação uns aos outros. A partir de um personagem com deficiência auditiva,  falamos dessa surdez do mundo de uma forma muito divertida. Chamamos de comédia perversa porque o público ri muito, mas fica com aquela sensação de “meu Deus, estou rindo disso”. E temos um diferencial: um bate-papo com a plateia depois da peça.

ISTOÉ

 Depois de tanto tempo e sucesso, existe o receio de começar a representar apenas a si mesmo?

Antonio Fagundes

 Sim, acho que corremos esse risco. E não precisa ser famoso, é só colocar a personalidade à frente do personagem. Tem um monte de gente famosa que você olha e diz “é fulano”, não importa o personagem que ele faz. O Marlon Brando é um desses. Se você vê cinco filmes dele, não quer ver mais nenhum porque pensa: “já entendi”. Mas como demorava três anos para vermos outro filme dele, ficávamos com saudade, esquecíamos.

ISTOÉ

 Essa lógica vale para os meios mais populares, como a Rede Globo?

Antonio Fagundes

 Principalmente para a Globo. Imagine o Marlon Brando fazendo 200 capítulos, cinco novelas em sequência. Um dia a gente vai perceber que os atores que fizeram televisão são altamente especializados. Para sobreviver a essa avalanche de exposição, o cara precisa criar algo diferente sempre.

ISTOÉ

 O sr. mistura bastante TV, teatro e cinema.

Antonio Fagundes

 O teatro resume todas as dificuldades porque é nele que você erra. Na televisão você escorrega, volta, faz de novo e ainda aproveitam o seu erro no Vídeo Show. Mas eu já fiz mais de 50 filmes e 40 novelas. Então eu gosto muito de todos os veículos, principalmente se fizer tudo junto.

ISTOÉ

 O sr. diz que gosta de fazer o espectador sair da cadeira do teatro e pensar no que viu no mínimo até o estacionamento. Dá para perceber quando alcançou o objetivo?

Antonio Fagundes

 Sim, você consegue ver nos rostinhos deles. Na plateia tem quem odiou, quem dormiu, quem não entendeu. Mas alguns serão marcados não até o estacionamento, mas pelo resto da vida. Recentemente fui a um espetáculo chamado “Morte Acidental de um Anarquista”, que eu fiz na década de 1980. Um dos atores contou que a primeira peça que ele viu na vida foi essa, comigo no elenco. Falou que o fato de ele estar ali se devia a esse espetáculo. A gente consegue isso às vezes. Bastante, até.

ISTOÉ

 Entre sucesso de público e de crítica, qual é preferível?

Antonio Fagundes

 Eu prefiro os dois, claro. O que me aflige um pouco é o seguinte: se por um lado o público tem pouco conhecimento e gosta de coisas que a gente não considera tão importantes, por outro o crítico fala bem de coisas que nem o irmão dele vai gostar. Essa crítica não serve de nada, porque ela tem que se relacionar com o público que a gente tem. Ao mesmo tempo queria entender por que o público gosta de certas coisas, porque eu gostaria de fazer aquilo também, só que um pouquinho melhor.