O Mercosul está embarcando numa aventura perigosa. Tenta reinventar a roda intramuros de seus próprios domínios. Quer se desenvolver única e exclusivamente incrementando o comércio interno. Nos últimos tempos ele produziu quase nada de acordos bilaterais com economias de outros continentes. Esqueceu-se que Europa, Ásia e EUA continuam a ditar os fluxos globais de negócios. O Mercosul poderia ter sido hábil em entendimentos com potenciais compradores de suas mercadorias. Não foi. Deveria mirar contratos de exportação que privilegiassem sua confortável produção de insumos básicos – dos alimentos ao petróleo. Não o fez. Agora paga o preço. O Mercosul acaba de ser literalmente atropelado, quase exterminado do mapa, pelo Acordo de Parceria Transpacífica (na sigla em inglês TPP). O mega acordo que reuniu 12 países, entre eles EUA e Japão, além dos vizinhos Chile e Peru, vai controlar praticamente 40% do PIB mundial. Deve ditar a competição do comércio planetário e estabelecer regras vantajosas para seus signatários. Quem estiver de fora vai perder, não há dúvida! No time dos excluídos, a corriola de aliados endividados da região. O Brasil que adentrou a década de 90 com a perspectiva de explodir como potência mundial, regride a passos largos para cair fora do clube das dez maiores economias. Desenho estatístico de uma nação cujos governantes enxergaram pequeno. Foram atrás da lorota de tachar megaparceiros de “imperialistas” espoliadores. Erraram feio!

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Essa posição nada confortável dos latinos galvanizou as discussões e as duras críticas emitidas pelos participantes do 20º Meeting Internacional do LIDE, montado na capital uruguaia, Montevidéu. O mesmo Uruguai já havia sido palco do primeiro dos encontros entre CEOs e empresários que anualmente se reúnem sob a batuta de João Doria Jr. Voltou a abrigar essa turma na condição de país-sede da Secretaria do Mercosul. Luiz Fernando Furlan, o ex-ministro do desenvolvimento que assumiu a posição de chairman of the board do LIDE, lembra uma curiosa história que ajuda a explicar o tamanho do descrédito e da desorganização ainda em voga nas paragens do Mercosul. Diz ele que em determinado momento, durante uma reunião no âmbito da OMC, o então diretor-geral da Organização, Pascal Lamy, fez uma pergunta capciosa para os seus interlocutores sulamericanos. Queria saber Lamy: “se tenho que falar com alguém do bloco para quem eu ligo? Qual o email?”. Ninguém sabia responder. Desconcertados na ocasião, ainda hoje não deram solução definitiva para o impasse.

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Os ex-presidentes Jorge Quiroga, da Bolívia, e Luis Lacalle, do Uruguai
concordam: ‘ou o Mercosul muda, ou encerra. Como está, chega!’

“Nossa sede é só de direito, mas não de fato. É figurativa! Nossa interlocução para colocar adiante iniciativas e propostas continua precária”, critica Furlan. Na prática, com quase 25 anos de existência, a serem completados em março de 2016, o Mercosul segue como uma caricatura dele mesmo. Era para fincar suas bases numa magnífica associação comercial. Relegou os entendimentos ao plano político, meramente, no qual prevalecem interesses partidários e conchavos para a perpetuação de um poder bolivariano entre os países-membros. É quase unânime no meio empresarial a avaliação de que a Venezuela, por exemplo, ao se incorporar a zona de livre comércio não agregou qualquer vantagem. Provocou – isso sim! – ainda mais conflitos com potenciais interessados em acordos. Tal qual Argentina, a Venezuela adota um discurso externo belicoso, de confronto e a favor do protecionismo , para garantir mercado na região. “Estamos sempre olhando para dentro de um bloco que não nos completa e nos deixa de fora da competitividade internacional”, reclama Luis Alberto Lacalle, ex-presidente do Uruguai, que foi um dos mais inflamados participantes do Meeting. É possível prever que num dado momento, em alguma das inúmeras rodadas de conversas das quais participa, Lacalle estará fadado a desagradar alguém, tamanha a ênfase com que levanta suas ideias. “Ou o Mercosul muda, ou encerra. Como está, chega!”, decretou. A franqueza e objetividade usadas por ele para alertar sobre os perigos que rondam o Mercosul foram elogiadas na plateia. “Não há barreiras geográficas entre os países do bloco. Mas, sim, mentais e políticas! Precisamos revisar o que é e qual é o real significado dessa associação”. Empresários, presentes no Meeting, que mexem rotineiramente com mercados internacionais, tinham na ponta da língua a solução. Na visão deles, as nações mais desenvolvidas falam em termos comerciais, de compra e venda, e se a América Latina não se atualizar vai perder a corrida do crescimento. Na prática, os sinais do atraso já são notados. Amplamente! Nos últimos tempos, os bônus do Brasil despencaram. As ações de Argentina, Venezuela, Bolívia e quetais não valem um tostão furado. São trocadas por quase nada. O retumbante fracasso na região evidenciou-se com o aumento das taxas de desemprego, inflação e desvalorização da moeda. Enquanto isso, as autoridades teimam em não aceitar o óbvio.

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O EX-PRESIDENTE DO BID, ENRIQUE IGLESIAS: ‘Dessa forma, não
apenas o Brasil, mas todos do Mercosul ficarão completamente isolados’

Elas falharam e os empreendedores suspeitam que a conta sairá cara. Diz Furlan, na condição de ex-ministro do desenvolvimento, vocalizando os anseios da maioria: “temos que ter um ‘wake up call’ no comércio exterior, quantos países no mundo têm um acordo de livre comércio com a Palestina?”. O Brasil tem e esse é um dos três míseros acordos que o País conseguiu firmar sem a ingerência direta de seus sócios latinos. “É impressionante que o Pacífico já tenha mais de 70, 80 acordos e o Brasil se limite a três!”, surpreendeu-se Enrique Iglesias, ex-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e atual presidente da Fundação Astur, que promove mesas redondas entre personalidades internacionais. “Se assim continuar, não apenas o Brasil, mas todos do Mercosul ficarão completamente isolados”. Iglesias têm tido muita dificuldade em convencer autoridades locais sobre esse risco. Elas estão, no seu entender, mais atentas a índices pessoais de popularidade e seus esforços concentram-se na autopromoção, nada mais. Jorge Quiroga, ex-presidente da Bolívia, que se converteu numa espécie de arauto das liberdades democráticas e corre o mundo denunciando os abusos cometidos principalmente na Venezuela, diz que a América Latina enfrenta vários projetos populistas e autoritários, retardando assim o seu desenvolvimento. Mas destaca exemplos positivos. “Há mais de 40 tratados e acordos de livre comércio no Chile. Por que os outros não seguem?”. O Uruguai tem se empenhado nesse sentido. Com uma economia crescendo fora da curva, ao ritmo de 5% ao ano (inclusive neste), já alcançou uma renda per capita da ordem de US$ 20 mil. E segue assinando tratados bilaterais como o TLC com o México e o TIFA com os EUA. “A estabilidade política e econômica, o baixo nível de corrupção e a boa qualidade de vida fazem do Uruguai um destino mais que atrativo para qualquer empreendimento de negócios”, alega João Doria. Com Chile, Peru e Uruguai correndo por fora, é de se lamentar a persistência brasileira em manter-se num abraço de afogados, principalmente com Argentina e Venezuela. Deixou de lado a razão. 

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