Com a mesma verve sincera e venenosa com que derrubava e erguia conceitos, o dramaturgo Nelson Rodrigues certa vez disse que Juscelino Kubitschek havia levado a gargalhada para a Presidência da República. Na sua opinião, os outros presidentes tinham a rigidez de quem ouve o Hino Nacional, como se fossem estátuas de si mesmos. O estilo descontraído e aventureiro de Kubitschek, na verdade, refletia apenas a faceta mais conhecida do empreendedor obstinado, cuja trajetória é narrada em minúcias no recém-lançado JK – o artista do impossível (Objetiva, 798 págs., R$ 53,90), do jornalista Claudio Bojunga. Depois de uma década de pesquisas, Bojunga não chega a apresentar revelações bombásticas sobre o homem que ousou criar Brasília em pleno cerrado, no então longínquo Centro-Oeste. Em compensação, retrata o político como ninguém, dos tempos do menino Nonô na mineira Diamantina até o desastre de automóvel que o matou na estrada que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, em agosto de 1976. De quebra, o jornalista ainda demonstra como JK impulsionou o Brasil rumo à modernidade e contribuiu para a efervescência cultural da segunda metade dos anos 50 e início dos 60.

JK – o artista do impossível traça o perfil de mais de cinco décadas do universo político brasileiro, período marcado pelo ranço conservador, pelo clima belicoso nos bastidores do poder e pela intervenção militar. O “período de exceção” foi justamente os anos JK, recheados de otimismo e realizações expressivas. Cada episódio é relatado por Bojunga dentro de uma perspectiva histórica, e quem for capaz de ultrapassar bons trechos de leitura densa certamente se deliciará com casos saborosos, como a aventura do então estudante de medicina pelos bordéis de Belo Horizonte, ainda nos anos 20. Consta que, depois de um encontro amoroso, o sempre confiante JK saíra se gabando de que a dama não lhe cobrara nada. Até perceber o sumiço do relógio, uma de suas poucas heranças de família. Foi quando entrou em ação José Maria Alkmin – seu companheiro de pensão e de trabalho noturno nos telégrafos –, que, se passando por policial recuperou a preciosidade. Estava selada uma cumplicidade que se perpetuaria pela vida afora entre JK e seu futuro ministro da Fazenda.

Autor do roteiro do documentário Os anos JK, de Silvio Tendler, Bojunga não esconde o entusiasmo pelo personagem que hoje é unanimidade nacional. Mas nem sempre foi assim. Chamado de Pé-de-Vento – uma referência irônica à sua fama de pé-de-valsa – por seus detratores, Kubitschek enfrentou incontáveis resistências ao longo de sua trajetória. Em 1955, o presidente Café Filho chegou a convocá-lo ao palácio para lembrá-lo que os ministros militares não aceitavam sua candidatura ao Catete, a então sede do governo federal. Craque em marketing, JK deu uma resposta que caiu no gosto do eleitorado: “Deus poupou-me do sentimento de medo.” Mesmo ganhando nas urnas, o presidente eleito precisou fazer muitas articulações para tomar posse. Mandato cumprido, ele se preparava para lançar nova candidatura em 1965 quando teve o sonho interrompido pelo fatídico golpe de 1964. Amargou a prisão, o exílio e depois o ostracismo em seu próprio país. Com o fim da vida pública, o casamento com Sarah, que o introduzira na aristocracia mineira, se deteriorou por completo. Em seus últimos tempos, contabilizava poucos e fiéis amigos, além da companhia da bela Maria Lúcia Pedroso, que conhecera em 1958 e com quem provavelmente se encontraria no Rio se não fosse a morte trágica.