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Um ano atrás, o produtor, apresentador e ator Miele, que morreu nesta quarta-feira, aos 77 anos, concedeu uma de suas últimas entrevistas. Na conversa com a revista ISTOÉ 2016, falou sobre a paixão pelo Rio de Janeiro (apesar de ser paulistano), disse que o programa Cocktail "foi uma grande encrenca" na carreira e, premonitoriamente, brincou que cogitava abrir um bar ao lado do Cemitério São João Batista. "É para lá que vai a maioria dos meus amigos", afirmou.

"O Cocktail foi uma grande encrenca para mim"

Paulistano da gema, carioca por adoção, artista versátil, ator tardio: Luiz Carlos Miele, 76 anos, é um showman com a cara do Brasil. O que nem todos sabem é que ele também tem um passado esportivo. Se tivesse 50 anos a menos, talvez até conseguisse uma vaguinha no meio de campo do Palmeiras. Mas o ex-centro médio do juvenil do Palestra nasceu na mesma época de uma geração brilhante, que mais tarde faria história com a chamada Academia. Azar dele e sorte nossa. O País perdeu só mais um esforçado volante, um “carregador de piano”, mas ganhou uma estrela de primeira grandeza, produtor de grandes musicais nas décadas de 1960 e 1970. Nesta entrevista, ele relembra passagens marcantes de sua carreira, fala do saudosismo que sente em relação ao Rio e diz que cogita abrir um bar ao lado do Cemitério São João Batista, na capital carioca, “para dar menos trabalho pra família”.

Apesar de ser paulistano, sua imagem está muito associada ao Rio de Janeiro, por causa do trabalho como diretor de shows nas décadas de 60 e 70. O que acha da cidade?
Eu vivi o melhor do Rio, a melhor fase. Sou, sim, saudosista. E tenho razões para ser. Hoje não existe um só piano-bar na cidade. Antes, você tinha o 706, o Number One, o Pujol e por aí vai…
 
O senhor tem sido cada vez mais convidado para participar de filmes, minisséries, seriados, novelas. Era um bom ator e não sabia?
Eu continuo não entendendo nada. Começou com a história para participar do elenco da série Mandrake (exibida pelo canal HBO Brasil). Depois veio o convite da Record para fazer uma novela – eu era o marido da Françoise Forton. É verdade que eu morria logo de cara…
 
Agora voltou à Globo…
É, agora estou na Globo. Sou um faz-tudo na emissora. Quebro todos os galhos. E sempre interpretando personagens mais novos do que eu, o que acho ótimo. Quando fizer 80 anos, ganho um papel em Malhação.
 
Mas o seu sonho de juventude era ser jogador de futebol, não?
Sim. Eu treinei como centro médio no juvenil do Palmeiras, no começo dos anos 50. Só treinei, nunca cheguei a jogar profissionalmente. Eu era do juvenil B. No A, jogavam os craques, como o Mazzola (campeão mundial em 1958). E depois veio a turma que formaria a Academia. Eu não tinha mesmo a menor chance.
 
Mas continuou jogando em times amadores.
Sim. Joguei muito nos Namorados da Noite e no Politheama (clubes fundados, respectivamente, pelos músicos Toquinho e Chico Buarque). Não jogo mais. Levei um tombo em casa e o meu joelho nunca mais foi o mesmo.
 
Era mais fácil jogar contra ou a favor do Chico?
Era sempre mais fácil jogar no Politheama, a favor do Chico. Contra, era um inferno. O Chico era o juiz, o cara que determinava o tempo de jogo, que dependia, claro, do resultado da partida. Se o time dele estava perdendo, só terminava quando ele empatava ou virava. O jogo podia durar quatro horas.

Por muitos anos o senhor ficou com a imagem associada ao Cocktail, programa de cunho erótico exibido no início dos anos 90 no SBT. Hoje, 25 anos depois, o senhor faria de novo?
Não. Jamais. Aquilo foi uma grande encrenca pra mim.
 
Por quê?
Quando comecei a fazer o Cocktail, minha imagem começou a ser associada à putaria. Eu tinha na época uma produtora de audiovisual muito bem-sucedida na área corporativa. Perdi todos os meus clientes, quase todos grandes multinacionais. No começo, bem que eu tentei propor ao Silvio Santos algo mais erudito. Queria fazer um nudismo contestatório (risos).
 
Como assim?
Ah, eu queria, enquanto as garotas fazia um strip-tease, colocar ao fundo uma crônica do Rubem Braga, ou um texto do Millôr Fernandes. Dei essa ideia para o Silvio e ele negou na hora. Disse: “Isso aqui é SBT, Miele. E ninguém entende mais de povão do que eu. Millôr aqui não pode”. Mas ele foi um bom patrão. E o programa deu muita audiência.
 
E por que acabou?
O Silvio na época tinha pretensões políticas, estava de olho na eleição para Prefeito de São Paulo. Não ia pegar bem ter um programa como Cocktail. No fim ele nem saiu candidato. Mas eu já tinha ido embora.
 
O senhor trabalhava com um elenco de mulheres lindíssimas. Não era uma tentação?
Era, mas eu era casado, e ainda sou, com a mesma mulher. E essas meninas lindas a que você se referiu hoje são respeitosas senhoras. É uma merda ficar velho. Não faz muito tempo, eu perdi cinco amigos – Chico Anysio, Pery Ribeiro, Billy Blanco, Millôr Fernandes e Paulo Cezar Saraceni – num espaço curtíssimo de tempo.
 
Mas, pelo que estou vendo, o senhor, aos 76 anos, está ótimo. Não bebe como antes, mas continua bebendo, não?
Sim, mas talvez eu apenas acate uma sugestão do meu amigo Ziraldo.
 
Qual?
Ele acha que seria muito prático abrir um bar ao lado do cemitério São João Batista – é pra lá que vai a maioria dos meus amigos. A gente pode beber sossegado, sem restrição e quando bater as botas, já está tudo pertinho. Vai dar menos trabalho para os familiares. Já tem até nome, muito sugestivo.
 
Qual nome?
Saideira.

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