Não há morte que não seja besta. Algumas, porém, excedem essa qualificação. São tão inesperadas e injustificadas que nos abalam ainda mais. Expõem nossa fragilidade, não diante da vida, mas do cotidiano em nossas cidades. A jornalista Regina Múrmura foi vítima de uma dessas, em Niteroi. Saiu no fim de semana para, ao lado do marido, comer uma pizza com amigos. Digitou o endereço no aplicativo que deveria indicar a melhor – e mais rápida – rota para o local onde os encontraria. Foi guiada para uma emboscada. No meio do caminho havia o inferno. Uma rua dominada por criminosos que, à bala, exerceram seu ilegítimo poder. Mais de uma dezena de marcas de tiro na lataria do carro. Regina, abatida no banco do passageiro.

Ela foi morta porque fez o que muitos de nós fazemos diariamente. Vivemos em grandes cidades. Temos carro. Cada vez que damos a partida e engrenamos o motor, corremos ricos. O menor deles é o que Regina queria evitar: perder tempo (para a maioria, muito tempo) em deslocamentos pelas vias congestionadas de nossas metrópoles superpovoadas e subequipadas. Esse pequeno drama cotidiano fez do Brasil um dos maiores mercados para aplicativos como o Waze, que combinam sistemas de localização por satélites e informações de usuários para indicar o percurso mais rápido entre dois pontos. A questão é que talvez essas maravilhas tecnológicas sejam insuficientes para enfrentar a dura realidade das nossas ruas, onde o excesso de carros é apenas um – e certamente não o maior – problema.

O Waze é um fenômeno dos nossos tempos. Desenvolvido por programadores israelenses, rapidamente ganhou o mundo graças a um sofisticado sistema desenvolvido para ancorar uma ideia simples e revolucionária – informação é uma das soluções mais baratas para os problemas de trânsito. Os próprios usuários informam as condições do tráfego e alimentam, em tempo real, a base de dados que ajuda outros motoristas conectados. A dimensão do poder dessa ideia está no preço pago pelo Google para comprar a empresa em 2013: US$ 1,1 bilhão.

Tudo funciona perfeitamente até que surjam variáveis não previstas pelos programadores do serviço. A violência nas grandes cidades, por exemplo. Não é uma exclusividade brasileira. Assim como nas nossas periferias, cidades americanas, europeias ou de outros continentes possuem zonas de risco, com altos índices de criminalidade, onde nenhum motorista desavisado gostaria de circular. Não seria essa uma informação relevante para um serviço como o que o Waze se propõe a prestar? O aplicativo ganharia se informasse não só onde há altas taxas de homicídio, mas até mesmo de furto de veículos, alertando os usuários para não estacionarem em locais mais frequentados por larápios.

Desde a morte de Regina, essa questão entrou no radar do Waze. A companhia não se pronuncia oficialmente, mas seu exército de engenheiros foi colocado de prontidão com a missão de encontrar uma maneira de incorporar aos seus sistemas dados sobre a incidência de crimes. No Brasil, as secretarias de segurança possuem estatísticas sobre a ocorrência de delitos e sua localização. Raramente usam-nas como deveriam na elaboração de estratégias de combate e prevenção de crimes. Em outros países, da mesma forma, estão disponíveis. Na Inglaterra, até mesmo o mercado imobiliário se utiliza desses dados – e os divulga juntamente com as ofertas de imóveis, pois sabe se tratar de componente relevante para a decisão de seus clientes.

O Waze é visto por sua própria equipe como um ser vivo, que se alimenta de informações e se adapta permanentemente ao que acontece nas ruas que monitora em todo o mundo. Mas se move com muito cuidado e qualquer mudança tem de ser global. Uma das preocupações na incorporação dos dados de segurança é não estigmatizar regiões com o carimbo de inseguras, afetando pessoas do bem que nelas vivem. Talvez seja um risco a correr, como o que todos nós fazemos diariamente ao entrar em nossos carros, como Regina fez, pela última vez, na semana passada.