34º PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA – DA PEDRA DA TERRA DAQUI/ Museu de Arte Moderna de São Paulo/ até 18/12

Para cada tonelada de peixe, há outra tonelada de plástico espalhada nos oceanos do mundo. Enquanto fóruns mundiais se delongam discutindo o consumo de produtos descartáveis, cerca de 8 milhões de toneladas de lixo plástico são lançadas ao mar anualmente. Refletir sobre “um mundo entregue ao consumo e ao espetáculo imediato” é uma das questões centrais levantadas pelo “34º Panorama da Arte Brasileira – da Pedra da Terra Daqui”. Com curadoria de Aracy Amaral e Paulo Miyada, a mostra propõe a discussão a partir de um olhar sobre uma parcela da história brasileira muito pouco conhecida: as esculturas em pedra polida produzidas entre 4000 e 1000 a.C pelos povos sambaquieiros, antigos habitantes do litoral que se estende hoje do sudeste brasileiro ao Uruguai.

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MAR ADENTRO
Instalação ‘Cemitérios’ (2015), de Erika Verzutti (acima), interpreta
os sambaquis, pilhas de resíduos marinhos pré-históricos que
continham esculturas, como o tubarão (abaixo)

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Desde 1969, periodicamente, um novo curador – ou grupo curatorial – é convidado pelo MAM SP a produzir um panorama da arte brasileira. Desta vez, no lugar de investir em mais um mapeamento exaustivo, tentando dar conta do inapreensível, Amaral e Miyada foram felizes em eleger apenas seis artistas contemporâneos e coloca-los em contato com a pré-história brasileira.

Há uma potente analogia entre os montes fósseis compostos por camadas de conchas e valvas de moluscos, chamados de sambaquis (nomeação de origem tupi que significa ‘monte de conchas’), e a visão apocalíptica das camadas de lixo acumuladas nas praias e margens de rios hoje – guardadas as evidentes distâncias, não só temporais, mas comportamentais, já que os sambaquis eram formados por resíduos, mas tinham funções múltiplas de habitação, cemitério ou espaços de culto.

Os artistas se relacionam com o tema proposto de formas diversas. O mineiro Cao Guimarães é quem mais explicitamente aborda a analogia entre os dois tempos. “Parece que os povos sambaquieiros continuam existindo por aí, com hábitos parecidos porém diferentes”, escreveu ele ao curador Paulo Miyada em email reproduzido no vídeo “Filme em anexo”. Realizado durante viagem ao litoral catarinense, onde ainda existem alguns dos últimos sambaquis salvos da depredação, o vídeo aborda a permanência da prática de cultivo de moluscos na região.

O acúmulo de resíduo industrial é o tema da instalação “Wishful Thinking”, de Miguel Rio Branco, e o plástico, grande vilão ambiental da era contemporânea, é o elemento central de uma das obras da paraense Berna Reale. Na videoperformance “Hábito”, Berna tece sua ácida critica social ao costurar sacos plásticos que embrulham ternos de políticos e que também envolvem corpos de vítimas da violência urbana dentro de um IML.

Morte, descarte e extinção de ciclos de vida útil também são questões da paulistana Erika Verzutti em seus “Cemitérios”, instalações compostas por peças escultóricas que dão errado e são abandonadas. Além de uma incrível coleção de 60 peças escultóricas líticas, a exposição é composta ainda por pinturas do goiano Pitágoras Lopes e documentos da expedição do carioca Cildo Meireles ao cume do Pico da Neblina, local sagrado dos índios Yanomami. A proposta curatorial também se aproxima do modus operandi dos sambaquis ao sobrepor tempos e espaços. Temos aqui uma exposição em poucas camadas que expõem a riqueza e densidade da arte e da história brasileira. Menos é mais.

Fotos: Romulo Fialdini; Paula Alzugaray; Filipe Berndt