O sobrenome Brizola, que entrou para a história do Brasil graças ao líder carismático que resistiu à ditadura militar, tem sido associado ultimamente a uma dura briga familiar. Os descendentes do ex-governador Leonel Brizola disputam com golpes baixos seu patrimônio político e material. Num dos últimos lances, há três meses, o mais velho dos três filhos do ex-governador, José Vicente Brizola, 55 anos, flagrou seus próprios filhos com um caminhão estacionado à porta do edifício do patriarca, em Copacabana, zona sul do Rio. “Por casualidade, passava pelo local e o porteiro me avisou que iriam levar tudo”, conta. Segundo ele, a ação de seus dois filhos – o deputado federal recém-eleito Brizola Neto e o irmão Leonel – foi instruída por seu irmão, João Otávio, que está no Uruguai. “Ele pretendia vender os documentos históricos de meu pai ao (Germano) Rigotto (atual governador do Rio Grande do Sul)”, acusa.

José Vicente impediu a retirada dos bens e chamou a polícia. Começou ali uma discussão acalorada entre pai e filhos que quase resultou em sopapos. Por sua vez, a caçula de Brizola, Neuzinha, 52 anos, também está em pé de guerra com a família. Ela acusa os dirigentes do partido criado pelo pai, o PDT, de tentarem barrar a sua candidatura a deputada federal. “Só consegui a confirmação na Justiça a nove dias da votação”, lamenta ela, que não se elegeu. Neuzinha é outra a atacar Brizola Neto: “Meu sobrinho legitima tudo isso que estão fazendo comigo.”

A relação dos herdeiros de Brizola sempre foi atribulada e motivo de comentário nos meios políticos e sociais cariocas. Há cerca de um ano, no entanto, o confronto transformou-se num verdadeiro barraco. O inventário já estava paralisado há algum tempo por causa do aparecimento de uma gaúcha chamada Giselda Topper que se diz filha ilegítima do ex-governador. Agora, a partilha foi interrompida e o apartamento de Brizola está lacrado pela Justiça. O estopim da crise atual foi aceso no ano passado, quando João Otávio franqueou ao jornal gaúcho Zero Hora o acervo de documentos de seu pai sem consultar os irmãos.

A intenção seria, segundo as acusações, valorizar a papelada para vendê-la posteriormente. “Esse material histórico deve ser franqueado ao público, mas João Otávio quer fazer dinheiro”, dispara José Vicente, sobre seu irmão. ISTOÉ não conseguiu localizar João Otávio no Uruguai para comentar as acusações. Para piorar o quadro, José Vicente não se dá com os próprios filhos (Brizola Neto, Leonel e Juliana), que teriam se aliado ao tio contra ele. “Nossa relação nunca foi íntima, eles viveram a maior parte do tempo com a mãe, de quem me separei na década de 80”, explica José Vicente.

Sua aliada nessa guerra familiar é Neuzinha. Ela entrou na Justiça contra a direção do PDT por tentar barrar sua candidatura a deputada federal. “Nunca imaginei que isso aconteceria no partido fundado pelo meu pai”, diz ela. Acabou ganhando a causa, mas teve pouco tempo para fazer campanha. “Não me deram espaço na tevê nem material de divulgação, fiquei totalmente isolada.” Neuzinha critica a posição do sobrinho, Brizola Neto, a quem acusa de ter sofrido lavagem cerebral por parte dos atuais dirigentes do partido. Mas sua ira maior é contra o atual presidente do PDT, Carlos Luppi, que concorreu a governador. “Ele me chamou de doente, disse que só falava comigo na presença de um médico. Também me chamou de mentirosa. Então, vai ter que provar judicialmente.” Neuzinha diz que, para completar a tragédia partidária, só falta o PDT concretizar uma aliança com Geraldo Alckmin. “Isso faria meu pai se revirar no túmulo”, afirma.

O presidente do partido dá outra versão. “Ela tinha concordado em ser candidata a deputada estadual e em cima da hora mudou de idéia”, explica. “Trata-se de uma briga de família e eu não quero me meter nisso.” Luppi, candidato derrotado ao governo do Rio, acha que Neuzinha deveria participar mais do dia-a-dia do partido antes de reclamar tanto. Procurado por ISTOÉ, o vereador e deputado estadual eleito Brizola Neto não deu resposta até o fechamento desta edição.

A desarmonia do clã Brizola é analisada por alguns de seus integrantes como mais um subproduto da truculência do regime militar, problema que não é incomum entre famílias de opositores da ditadura. “É certo que isso tudo afetou muito a nossa vida”, reconhece José Vicente. O político que comandou a cadeia da legalidade e mobilizou multidões de eleitores não merecia sair dos livros de história para constar de uma ação escabrosa da 9ª Vara de Órfãos e Sucessões.