Islandesa de ascendência esquimó, criadora de sonoridades estranhas que encantam, mas também agridem os ouvidos, adepta de trajes extravagantes e eleita a personalidade mais excêntrica do mundo, a cantora Björk ainda não entende por que é sempre chamada de exótica. "As pessoas dos EUA e da Inglaterra acham que sou assim, o que é uma coisa totalmente esquisita, pois 90% das pessoas neste mundo são exóticas", afirmou na coletiva que deu na semana passada em Nova York, num intervalo da turnê americana de Volta, seu mais recente CD. É esse mesmo show que a maior estrela do pop experimental traz ao Tim Festival (dia 26, na Marina da Glória, no Rio de Janeiro; dia 28, na Arena Skol Anhembi, em São Paulo; e dia 31, na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba). Onze anos depois de ter se apresentado para um pequeno séquito de fanáticos num galpão de São Paulo, ela volta com status de estrela e de maior atração do festival. Cercada pela maior entourage do evento (36 pessoas entre músicos e técnicos), a pequena Björk vai subir no palco com a parafernália eletrônica habitual e um time heterogêneo de músicos que inclui uma seção feminina de metais. E sabe-se lá com que roupa.

Nos shows do exterior, Björk, 41 anos, tem aparecido com trajes brilhantes e semitransparentes no melhor estilo Sininho ou então enfiada num emaranhado de tramas coloridas de crochê que a fazem parecer uma ave do paraíso. A esquisitice visual serve de contraponto a suas invenções sonoras, não menos surpreendentes. Earth intruders, por exemplo, que abre o show depois de uma introdução feita no escuro, é uma batucada eletrônica infernal. Imagine o Olodum com os tambores trocados por uma percussão de metais: é mais ou menos esse o clima pesado da canção, em que Björk conclama os terráqueos para uma marcha guerreira. O mesmo tom agressivo aparece em Declare independence, na qual ela incentiva os oprimidos de qualquer natureza a se tornarem autônomos.

Uma Björk politizada, com certeza, é o que se verá nessa espécie de rave pós-industrial. Mas não espere da cantora uma postura messiânica como a de Bono, do U2, por exemplo, defensor da anistia da dívida externa dos países do Terceiro Mundo. Björk anda cansada da política habitual e mais preocupada em positivar a nova ordem do mundo globalizado. Aposta no inglês como o esperanto contemporâneo e na música como linguagem universal, na qual deposita um papel importante nesse processo. "As pessoas têm idéias negativas sobre a globalização, como se ela só dissesse respeito a ter um MacDonald’s em cada esquina", afirma. "Mas nos próximos 100 anos vai ser mais ou menos como uma grande nação e isso é uma coisa boa. Não é necessariamente mal."

Björk, que começou a estudar música clássica aos cinco anos, leva esse raciocínio inclusive para o seu som. Seus "ritmos globais" não têm nada de world music, acenam para uma mestiçagem sonora. O disco Volta, por exemplo, reúne músicos de quatro continentes: a tocadora de pipa (alaúde chinês) Min Xiao-fen, o coletivo congolês Konomo nº 1, o tocador malinês de kora (instrumento de corda africano) Toumani Diabaté, o cantor inglês de registro andrógino Antony Hegarty e o craque produtor americano de hip-hop Timbaland. Quando ficou sabendo que Antony iria se apresentar no Tim Festival (leia quadro com as outras atrações), Björk quis que seu show fosse na mesma noite e lugar que o dele. Assim eles poderiam reproduzir ao vivo o dueto da belíssima faixa Dull flame of desire, momento calmo do show, juntamente com Pagan poetry, do álbum Vespertine. É claro que foi atendida e a parceria vai acontecer no show carioca.

A produção do festival, aliás, anda às voltas com as bizarras exigências da equipe da cantora. Eles pedem que nenhum prato tenha qualquer ingrediente derivado de leite, açúcar refinado, vinagre, shoyu, cogumelos, lagosta e camarão. Mas exageram nos líquidos: serão consumidos por show nada menos que 378 latas e garrafas de bebidas – água, sucos, chás, vinhos e uísque. Björk exigiu que o motorista da banda seja abstêmio, mas que tenha idade suficiente para comprar bebida alcoólica em lugares públicos. Outro pedido soou enigmático. Ela vem acompanhada da babá, de nome Helga. Mas não vai trazer sua filha Isadora, de quatro anos. A babá é para ela. Casada com o artista multimídia americano Matthew Barney, um dos mais talentosos artistas contemporâneos, a cantora esteve no Brasil em 2004 acompanhando- o no Carnaval da Bahia, quando ele criou o visual do bloco Da lama lâmina. Na época, Björk jogou água em paparazzi e dançou no Candeal. Mas não usou nada de música brasileira no disco que vai mostrar ao vivo no Tim Festival. Fã de Elis Regina e Milton Nascimento, ela disse que não ia dar uma de turista e sair daqui com ritmos a tiracolo, como fizeram Paul Simon e Michael Jackson.