Nos últimos anos, o movimento separatista da Catalunha, região que compreende Barcelona e o nordeste da Península Ibérica, tentou se articular para levar a ideia da cisão da Espanha adiante, mas ele nunca teve força suficiente para fazer a ideia avançar. Agora, porém, a história é diferente. No domingo 27, as eleições legislativas na região podem significar uma oportunidade única para os catalães. Se conseguir pelo menos metade dos 135 assentos do Parlamento regional, a coligação “Juntos pelo Sim”, liderada por Artur Mas e formada pelos partidos Esquerda Republicana na Catalunha (ERC) e Convergência Democrática da Catalunha (CDC), terá caminho livre para se livrar do jugo espanhol. Pesquisas eleitorais mostram que, pela primeira em muito tempo, a possibilidade de separação é real.

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PELO SIM
Manifestantes a favor da separação e o líder catalão Artur Mas:
pela primeira vez em muito tempo, uma chance real de cisão da Espanha

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Na semana passada, a pressão contra o movimento ganhou muitos decibéis. A União Europeia declarou que uma eventual ruptura significará a saída da Catalunha – e, portanto, de Barcelona, sua cidade mais próspera –, da comunidade do euro e ameaçou excluir o time de Neymar e Messi, o mais popular do planeta, do campeonato espanhol de futebol. Também na semana passada, Mariano Rajoy, primeiro-ministro espanhol, aumentou o tom contra os separatistas. “Estão tentando esconder o fato de que, uma vez fora da Espanha, a Catalunha vai deixar de ser uma região europeia”, disse. “Uma região isolada será a ruína para os bancos, negócios e cidadãos.” Em novembro de 2015, mais de 80% dos catalães votaram pela separação em um plebiscito que foi considerado inconstitucional pela Justiça espanhola. No início de setembro, milhares de catalães foram às ruas pelo sim à separação. Como se vê, o jogo agora é para valer. “Sob diversos aspectos, o catalão se sente mais catalão do que espanhol”, diz Pedro Costa Júnior, professor de Relações Internacionais da ESPM.

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PELO NÃO
O primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy aumentou o tom contra
os separatistas: ‘Sem a Espanha, a Catalunha ficará isolada’

O clube Barcelona está na linha de frente na campanha pró-separação. Um dos líderes do time, o jogador Gerald Piqué tem feito discursos incisivos em defesa da independência e pediu à esposa, a cantora Shakira, para gravar uma canção em catalão. Nos jogos da equipe, principalmente contra o rival Real Madrid, a torcida entoa o hino à separação e é um espetáculo extraordinário observar milhares de fãs de um clube gritando as plenos pulmões par a defender suas raízes. “O Barça não é apenas um time de futebol”, diz o catalão José Blanes Sal, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, na Grande São Paulo. “Ele, de alguma forma, espelha todo o anseio catalão de autoafirmação.” Nos últimos dias, o ex-técnico do Barcelona Pep Guardiola também se juntou à campanha pelo sim e há quem acredite que ele tem ambições políticas num possível governo independente.

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O movimento separatista não é uma aventura tresloucada, como propagandeia o governo espanhol. A Catalunha manteve sua autonomia jurídico-administrativa até que os Bourbons acendessem ao trono espanhol depois da Guerra de Sucessão (1701-1714). Trata-se, portanto, de uma região com uma longa trajetória de independência. Apesar do passar dos séculos, ela preservou seus traços históricos e culturais. Manteve língua própria, que está disseminada entre toda a população. No século XIX, a Catalunha foi a primeira região da Espanha a se industrializar e os efeitos do pioneirismo podem ser sentidos até hoje. Segundo os últimos dados disponíveis, a Catalunha representa 25% do PIB espanhol. A pressão do governo espanhol não é novidade para os catalães. Na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), a Catalunha sofreu por se opor ao conservadorismo da Espanha. Na ditadura de Francisco Franco (1939-1975), a língua catalã chegou a ser proibida, assim como qualquer manifestação que remetesse à sua cultura. No domingo 27, o histórico de repressão pode ter um ponto final.