"Você vai à praia no fim de semana? Não esqueça o protetor: um taco de beisebol.” Esta é uma das campanhas que circula na internet e propaga o ódio entre jovens da zona sul do Rio de Janeiro. Autodenominados justiceiros, esses garotos que malham em academias e pensam que são donos das praias de seus bairros querem impedir a livre circulação na orla carioca. De outro lado, também nas redes sociais, a reação é violenta. “Quem vier com taco vai entrar na bala!”, diz um comentário de um grupo de meninos do subúrbio e de favelas, o alvo da discriminação. A bala, todos sabem, é de arma de fogo. E este é o cenário que ameaça transformar a cidade-sede dos Jogos Olímpicos 2016 em palco de violência extrema.

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O clima de ódio se acirrou a partir do domingo 20, quando houve uma série de arrastões nas areias de Ipanema, deixando como saldo vítimas saqueadas e feridas. Muitos dizem que os arrastões foram uma resposta à ação da Polícia Militar, que vinha fazendo blitze em ônibus do subúrbio que se dirigiam à Zona Sul e detendo garotos sem dinheiro e documentos a caminho da praia. Da mesma forma, a organização dos chamados justiceiros é apontada como reação aos roubos na orla. Ou seja, virou um cruel sistema de realimentação de raiva. Armados com porretes e tacos, os jovens de classe média protagonizaram agressões indiscriminadas pelas ruas da cidade, tendo como vítimas pobres, mulatos ou negros, todos do subúrbio.

“As brigas estão pontuando estratos sociais. Ambos no limite de sua própria tolerância”, diz Elizabeth da Cunha Sussekind, membro do  Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo a estudiosa, os grupos não buscam justiça porque não acreditam mais nas autoridades. “Nunca houve reação dos ‘justiceiros’ quando corpos apareceram crivados de balas, todos pobres.” No meio do fogo cruzado, o secretário José Mariano Beltrame reclama da falta de apoio e tenta estabelecer uma estratégia de segurança que não valorize apenas um lado da cidade. “As pessoas que moram perto querem ir à praia, quem mora longe também. Então, vamos garantir isso. A diferença, agora, é que temos quem sabe fazer essa diferenciação dos jovens que estão em risco social e podem fazer a avaliação que, antes, a PM fazia sozinha”, diz ele. O secretário fala dos assistentes sociais que foram convocados pelo governo para ajudar na abordagem dos menores. “Temo que ocorram linchamentos se o Rio de Janeiro continuar desse jeito”, afirmou.

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Um pacote de novas medidas será aplicado nas praias cariocas a partir do sábado 26, quando começa a Operação Verão, com aumento do número de policiais, blitze e vigilância de regras para frequentadores da orla. Serão 34 pontos de bloqueio para blitze e a PM fará a abordagem dentro dos coletivos. Os retidos serão levados aos assistentes sociais. Os presos em flagrante delito serão levados às delegacias. Também foram destacados 300 agentes especiais na área de conflito da orla e um carro de comando móvel ficará baseado na Praia do Arpoador, recebendo em tempo real imagens recebidas por helicópteros.

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E, a parte mais polêmica: menores de 12 anos desacompanhados de seus responsáveis serão encaminhados para o cuidado dos assistentes sociais, que tentarão fazer contato com os pais. Se não conseguirem, as crianças serão levadas para centros de assistência. O problema é que meninos com idade inferior a 12 anos comumente vão à praia sozinhos no Rio. E a dúvida: crianças brancas da zona sul receberão este tratamento? Segundo levantamento da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), dos 730 jovens recolhidos em blitze no último verão, 86,68% eram negros ou pardos.

E os pais desses adolescentes também entram na mira da Justiça. Se configurar crime de abandono de incapaz, de acordo com o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), eles serão punidos com seis meses a três anos de prisão. A única opção para fugir desse rigor será obter autorização da Vara da Infância e da Juventude para o menor viajar sozinho. A Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima irá levantar o histórico de cada um dos menores apreendidos para verificar se houve algum tipo de negligência em suas casas, como falta de apoio financeiro ou educacional e até maus-tratos. Caso seja comprovado, os pais serão julgados e podem perder a guarda.

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FÚRIA
Recado em uma rede social: clima de hostilidade alimentado também na internet

Recentemente, as blitze foram alvo de críticas por parte do poder judiciário e motivo de um habeas corpus preventivo que reafirma as instruções do artigo 5o. da Constituição Federal de 1988, que admite apenas prisões em flagrante ou sob ordem escrita de autoridade judicial. “As abordagens têm sido seletivas, dirigidas a grupos com cor, idade e endereço específico. Mas é preciso lembrar que a responsabilidade por isso não é apenas da polícia. Esse tipo de abordagem é resposta a um anseio da sociedade, que pede por isso”, afirma o professor de psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Pedro Paulo Bicalho. Para ele, o medo e o ódio também seriam a chave para a postura da polícia durante as abordagens a jovens pobres a caminho da praia.

Atualmente, o Rio vive o trauma destes últimos tristes episódios. “Não volto mais aqui”, disse uma turista, hospedado na orla carioca. “Não vamos mais à praia no fim de semana”, afirmou a mãe de três crianças, moradora da Zona Sul. “Querem separar a Zona Norte da Zona Sul e nos proibir de usar o mar”, protestou uma jovem do Complexo do Alemão, conglomerado de favelas. Todos estão igualmente traumatizados. “Não só os que presenciaram as cenas ou tiveram o celular roubado, mas também quem assistiu as imagens na televisão passou a se sentir vulnerável. Há um sentimento de insegurança da coletividade”, afirmou Bicalho.

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Fotos: Marcelo Carnaval, Domingos Peixoto – Ag. O Globo, Andre Coelho/Ag. O Globo

 


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