Cerca de um mês antes de anunciar o primeiro contingenciamento no Orçamento deste ano, o governo federal poderia ter prestado mais atenção na hora de contrair despesas desnecessárias cujo corte em nada iria interferir no funcionamento da máquina administrativa. O gesto político mostraria à população que quem promove o arrocho também está disposto a cortar na própria carne para reequilibrar as combalidas finanças do País. Não foi o que aconteceu. Em maio, o governo decidiu equipar a cozinha do Palácio do Planalto. Adquiriu panelas de pressão profissionais, lixeiras e conchas. Perto do que é necessário para disciplinar as contas públicas e dos bilhões escoados pelos ralos da corrupção, o valor não é um absurdo. Porém, para o brasileiro comum que sofre com as medidas amargas do ajuste fiscal, com a alta do dólar e o aumento da inflação, a quantia despendida por Dilma poderia muito bem ter sido evitada: R$ 68,7 mil – o equivalente a 87 salários mínimos.

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De maio para cá, o governo adotou novas medidas para impor um aperto de cinto à população que consistiram no corte de bolsas de estudos, congelamento do aumento salarial dos servidores públicos. Ainda enviou ao Congresso de projetos criando novos impostos. Mas permaneceu sem conseguir eliminar os gastos considerados irrelevantes. Dias antes de 15 de setembro, data do anúncio do último pacote econômico, repercutiu mal uma compra de prataria de jantar a R$ 215 mil, também pela Presidência da República. Pressionado, o governo cancelou a compra. Mesmo assim, autorizou a Marinha a gastar nada menos do que R$ 8 milhões em taças de cristal, peças de porcelana e acessórios de mesa de aço inox, conforme revelou na última edição de ISTOÉ o colunista Ricardo Boechat.

Um levantamento feito pela reportagem de ISTOÉ no Portal da Transparência do governo federal mostrou que há outros gastos da administração federal que seriam inimagináveis para uma família ou uma empresa endividada ou com as contas desordenadas. Quem trocaria a mobília da sala ou do escritório, numa situação dessas? Foi o que fez o Ministério da Pesca, chefiado por Helder Barbalho (PMDB), filho do senador Jader Barbalho. Segundo os dados oficiais, em março deste ano, a pasta da Pesca pagou R$ 186 mil referentes uma compra realizada em novembro passado. A nova mobília do ministério incluiu cinco sofás de R$ 2 mil cada, dezenas de mesas que custam em torno de R$ 1,5 mil cada e cadeiras de R$ 850. O Ministério da Agricultura, chefiado por Kátia Abreu (PMDB), não ficou de fora: pagou, em junho, quando a crise já era mais do que evidente, um total de R$ 207 mil para adquirir equipamentos como rack para televisão no valor de R$ 3 mil e 44 poltronas giratórias de R$ 2.350.

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Para tentar mostrar que é possível reduzir a chamada despesa de custeio, a Associação Contas Abertas, uma instituição especializada em orçamento público, fez um estudo a respeito de um conjunto de gastos classificados como “passíveis de corte” nos gastos federais. São despesas ou compras que podem diminuir – não desaparecer, porque são necessárias para o funcionamento do governo. Esse grupo de gastos incluem passagens aéreas, diárias de hotel, xerox, vigilância, limpeza, festas, publicidade e locação de imóveis. O total desembolsado com isso em 2014 foi R$ 20 bilhões. Até agosto deste ano, estas mesmas despesas somaram R$ 10,5 bilhões. Em 2014, no mesmo período, foram R$ 12,5 bilhões – possivelmente, a redução foi decorrente dos contingenciamentos feitos pelo governo. Mesmo assim, ainda sobrou muito a ser economizado. Segundo o economista Gil Castello Branco, secretário-geral do Contas Abertas, mesmo que o governo consiga fazer uma redução substancial nos gastos “passíveis de corte”, da ordem, por exemplo, de 40%, a economia ainda assim passaria longe do valor necessário para cobrir o rombo. Se fossem eliminados 40% dos R$ 20 bilhões gastos em 2014, por exemplo, a economia seria de R$ 8 bilhões. Embora seja um valor pequeno, perto do que é preciso repor na economia, seria uma iniciativa importante para quem precisa correr atrás do prejuízo.