O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva costuma dizer que boa parte de seus 80% de popularidade se deve às seis expedições que fez pelo interior do País entre 1993 e 1996. Em busca de votos, nas chamadas Caravanas da Cidadania, Lula percorreu 360 cidades em 26 Estados. Tudo pago pelo PT. Na semana passada, desta vez com todas as despesas pagas pelo governo, o presidente promoveu uma nova caravana. Trata-se da Caravana da Sucessão. A pretexto de vistoriar as obras de transposição das águas do rio São Francisco, a expedição percorreu municípios de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. O presidente levou a tiracolo sua pré-candidata à Presidência em 2010, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, o deputado e também presidenciável Ciro Gomes (PSB-CE) e ainda reservou algum tempo para incluir entre os viajantes o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), outro aspirante à sucessão presidencial. A inspeção das obras que este ano receberam menos de 4% do R$ 1,68 bilhão previsto, poderia ser feita com um sobrevoo de duas horas em um helicóptero. A Caravana da Sucessão, porém, mobilizou cinco ministros, oito governadores, 150 funcionários federais, dois aviões Casa C-105 e três helicópteros. Os alojamentos próximos às obras, onde Lula e equipe pernoitaram por dois dias, foram reformados especialmente para acomodá-los. Em Cabrobó (PE), móveis como camas e criados-mudos foram comprados. E para dar indispensável publicidade à viagem, a Secretaria de Comunicação do Planalto convidou 26 jornalistas do Brasil e do Exterior.

Com toda essa pompa e circunstância às margens do Velho Chico, Lula precipitou de vez os embates eleitorais. Ao atrair os holofotes para a candidatura de Dilma e sinalizar que a base governista pode até ter dois candidatos, embora tenha reiterado seu desejo por uma eleição plebiscitária, o presidente despertou a ira da oposição, que passou a questionar o custo da viagem e promete ir à Justiça esta semana pelo que chamou de campanha eleitoral antecipada. "Meu partido vai procurar apoio de outras legendas para entrar com uma representação por uso da máquina e antecipação de campanha. Está se criando uma espécie de ‘extralegalidade’ para o presidente e sua candidata", criticou o deputado Raul Jungmann (PPS-PE).

"O presidente está claramente usando a estrutura do governo para fazer campanha", afirmou o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ).

foto: ricarDo stucKErt/Pr

Nas andanças e sobrevoos às obras, Lula e comitiva foram recebidos por milhares de pessoas munidas de faixas, cartazes e bandeiras do PT. Na terçafeira 13, um dia antes do desembarque da comitiva presidencial, enquanto as rádios nordestinas repetiam o programa "Café com o Presidente", no qual era ressaltada a importância da transposição das águas do São Francisco para milhões de brasileiros, a população que aguardava o presidente não falava em outra coisa senão na próxima eleição. "o povo tá dizendo que vai votar na esposa dele, a dilma", disse maria de fátima, pernambucana de Custódia. "Eu voto em quem o presidente pedir", proclamou a baiana Rita de Cássia dos Santos, 39 anos, mãe de sete filhos, dependente dos R$ 80 que recebe do programa Bolsa Família. A primeira parada da caravana foi em Buritizeiro (MG). Ao lado de Dilma e Ciro, Lula desembarcou na cidade às 9h, onde cerca de cinco mil pessoas o aguardavam. No palanque, Lula se empolgou e acabou ele próprio qualificando a caravana. Disse que sua intenção inicial não era fazer comícios, e sim apenas cumprir uma agenda de inspeções de obras, mas acabou cedendo. Daquele momento até o final da tarde da sexta-feira 16, Lula e seus candidatos subiram em mais cinco palanques.

Além dos comícios, o caráter eleitoral da Caravana da Sucessão se tornou visível pelo fato de a agenda oficial excluir da programação a visita a Pirapora, cidade mineira administrada pelo oposicionista DEM, separada de Buritizeiro apenas por uma ponte. No município, Lula se encontraria com Aécio Neves. Depois que Pirapora foi retirada do roteiro, Aécio, irritado, desistiu de participar do evento no município vizinho e montou seu próprio palanque do outro lado do rio. Diante da situação, Lula quebrou o protocolo e resolveu, de última hora, visitar a estação de tratamento de esgoto, uma obra do PAC, em Pirapora. Encontrou a recepção do local lacrada. À margem do São Francisco, limitou-se a conversar brevemente com dois pescadores. "Ele chegou de repente e perguntou qual isca estávamos usando e que peixe tinha aqui", contou Gildeir de Araújo. Duas horas depois, quando o presidente retornou ao aeroporto para embarcar para Barra (BA), encontrou Aécio. "estou com vergonha de vocês", disse lula ao tucano, apontando também para o prefeito de Pirapora, Warmillon fonseca Braga. Mineiramente, Aécio aceitou o pedido de desculpas de Lula, mas cobrou do presidente a promessa de ressarcimento ao Estado pelas perdas com a Lei Kandir. Antes de partir apressado para Barra (BA), o presidente prometeu estudar o assunto com a equipe econômica.

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ALIADOS Ciro, Lula, Dilma e Aécio: tour reuniu comitiva eclética e suprapartidária, mas excluiu o DEM

No município do oeste baiano faltou espaço nas árvores e postes para pencas de faixas de agradecimento ao ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, e ao governador da Bahia, Jaques Wagner, pelo andamento das obras do São Francisco. Ambos estavam ao lado de Lula e são pré-candidatos ao governo baiano. Adolescentes estavam eufóricos com a possibilidade de conhecer Lula. "Faltei à aula para ver o presidente", disse Mairis Brito Vieira, 17 anos. Dilma entrou logo no clima. Posou para fotos e cumprimentou alguns manifestantes.

Em entrevista, depois de vistoriar obras de dragagem do rio, Lula elogiou Dilma e Ciro, que estavam ao seu lado, os dois com chapéu do Exército para se proteger do sol. Os termômetros marcavam 39 graus, mas o que esquentou o clima eleitoral foi a manifestação do presidente, que pela primeira vez admitiu duas candidaturas da base de apoio do governo. "Adoro os dois, mas parece que eles têm uma vocação solo", disse, referindose a Ciro Gomes e Dilma Rousseff. Foi a senha para a oposição reagir. "O que tudo isso tem a ver com inspeção de obras? É campanha antecipada, uma caravana de xeique árabe", atacou o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal, que promete protocolar na Casa Civil um pedido de informações sobre os custos da viagem. "Vamos recorrer ao Tribunal Eleitoral e ao Ministério Público. O presidente não pode se colocar acima da lei e as instituições que precisam fiscalizar esses abusos não podem se calar", disse o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE). "Transposição não rima com eleição", negou Lula. "É um sonho antigo", respondeu ele aos críticos.

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CENÁRIO Campos, Lula, Dilma e Geddel: vistoria de obras com direito a show, uísque e cerveja

Na quinta-feira 15, o destino foi Cabrobó (PE). Logo no início da madrugada, a comitiva foi pega de surpresa com uma pane elétrica. Acomodado com ministros e governadores no alojamento, o presidente cantarolava músicas como "Caboclo Sonhador". Quando, de repente, tudo ficou às escuras. A luz só voltou 20 minutos depois e o presidente ainda teve tempo de ensaiar outros cantos até retirar-se por volta de 1h. Ciro, o ministro das Comunicações, Franklin Martins, e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, fizeram companhia ao presidente até o final. Além do jantar, foi servido uísque 12 anos e cerveja. A comitiva mudou a rotina da cidade. O único hotel com 80 acomodações aumentou a diária de R$ 45 para R$ 250.

COMÍCIOS lula negou uso eleitoral, mas subiu em mais de cinco palanques

No início da tarde, distribuindo simpatia em um canteiro de obras, Dilma perdeu o equilíbrio e caiu para trás. Amparada por assessores, rapidamente se levantou e voltou a sorrir. Passado o susto, ao lado do Eduardo Campos, o presidente manifestou o desejo de realizar, no próximo ano, uma eleição de caráter plebiscitário. "Ou seja, nós contra eles, pão, pão, queijo, queijo", disse.

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FARPA Líder nas pesquisas, Serra foi atacado por Lula durante a caravana

Ainda aproveitou o palanque para alfinetar o presidenciável governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e o senador Jarbas Vasconcelos, da ala oposicionista do PMDB. "Eu não sabia que o Serra tinha alguma preocupação com o Nordeste. Mas, se começa a ter perto das eleições, já é um bom sinal", disse Lula, questionado sobre uma crítica feita por Serra ao projeto. "Serra que fique esperto, pois meu governo pretende inaugurar sistemas de irrigação na região", acrescentou. Sobre Jarbas, o presidente disse que em seu primeiro mandato, quando o peemedebista era governador, ele não o acompanhava "ou porque não queria ou porque tinha medo de ser vaiado". Jarbas respondeu: "Lula está se transformando num mentiroso contumaz. Como governador, nunca deixei de participar das programações feitas pelo Planalto. A verdade é que Lula usa e abusa do dinheiro público para empinar sua candidata."

Serra também reagiu. "Só disse que pararam as obras de irrigação. Se o que eu afirmei ajudar a ter um metro a mais de irrigação, vou ficar feliz."

Os números envolvidos nas obras visitadas por Lula são grandiosos. Na transposição, o governo gastou R$ 1,2 bilhão, licitou R$ 4,5 bilhões e a promessa é de investir até R$ 6 bilhões até a conclusão dos Eixos Leste e Norte. A estimativa é que, concluídas as obras, a água chegue a 12 milhões de nordestinos. Resta saber se todo esse capital político será convertido em votos no ano eleitoral.