Reunidos em torno do colega brasileiro, Guido Mantega, para a foto oficial que marcou a criação do Banco do Sul, na segunda-feira 8 no Rio de Janeiro, os ministros da Economia de Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela eram o retrato do continente: vizinhos, mas separados pela mesma língua. Com capital inicial de US$ 7 bilhões e sem data para entrar em operação, o Banco do Sul, que se pretende um embrião do grande banco central da América Latina, mais parece uma agência de bairro.

O presidente venezuelano Hugo Chávez, por exemplo, se arrogou o direito de sediar a nova entidade. Prometeu pingar US$ 3,5 bilhões para dar a partida no projeto, mas quer em troca funcionar como uma espécie de tutor – Chávez exige que a sede fique em Caracas, o que, do ponto de vista geográfico, deveria servir ao menos para trocar o nome para Banco do Norte. A Venezuela vê a instituição como uma espécie de bolsa família para países pobres. Ela substituiria o Fundo Monetário Internacional (FMI) no socorro em momentos de crise de liquidez e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no apoio a projetos de melhoria de regiões carentes.

A Argentina deseja se associar ao clube pagando uma pechincha de US$ 350 mil – e ao mesmo tempo reivindica um cartão de débito, com o qual pretende se tornar o primeiro tomador de empréstimo da entidade. Pela porta do Banco do Sul, os argentinos voltariam aos mercados internacionais – fechados para eles desde o calote de 2001. “Tudo indica que esse banco será utilizado para fins políticos”, afirmou o economista Maílson da Nóbrega na rádio CBN.

A maior novidade da reunião do Rio, portanto, foi a mudança de posição do governo brasileiro. Há oito meses, quando venezuelanos e argentinos manifestaram a necessidade de se criar o Banco do Sul, o Brasil sustentou que o melhor seria reforçar a posição do BID, que tem US$ 100 bilhões em caixa, e da Corporação Andina de Fomento (CAF), criada em 1970 para financiar projetos nos países mais pobres do continente. Entre outros argumentos, o governo defendia que, como o BID tem o mesmo risco do Tesouro americano, o custo de um empréstimo seria sempre mais barato que no Banco do Sul. Agora, com reservas de US$ 160 bilhões, dívida externa do setor público de US$ 70 bilhões, dólar depreciado e a economia acelerando a uma taxa de mais de 5% ao ano, o Brasil passou a achar que o BID é moroso na liberação de recursos e a CAF é benevolente demais na recuperação de seus empréstimos.

Afinal, o que o Brasil vai ganhar com isso? As linhas de crédito internacionais para o País estão baratas e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem capacidade para suprir os pedidos internos de projetos de infra-estrutura. O presidente Lula defende que a nova instituição siga as regras de mercado – e não faça caridade como pretende Chávez –, mas o fato é que, na criação desse banco de festim, o Brasil entra apenas com o butim. De nossas reservas sairão os dólares que os outros países pretendem tomar emprestado.

Entre os três países mais importantes da América Latina, Chile e México preferiram ficar de fora. Eles são os dois únicos da região com a classificação de grau de investimento pelas agências de risco – o que lhes garante dinheiro farto e barato. O Brasil deverá conseguir seu ingresso nesse clube antes mesmo que o Banco do Sul aprove o primeiro projeto. Até a assinatura oficial dos presidentes de todos esses países, marcada para o sábado 3 de novembro em Caracas, a única novidade no quadro regional deverá ser a eleição de Cristina Kirchner para a Presidência da Argentina. De resto, o dólar continuará barato, o Brasil seguirá crescendo e o sonho da moeda única estará tão distante quanto hoje. Então, para que serve mesmo o Banco do Sul?

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