As ruas do Butantã, zona oeste de São Paulo, estavam aparentemente tranquilas às 14h do feriado de 7 de setembro. Apenas aparentemente. Pelas vias do bairro de classe média alta da capital paulista, policiais militares perseguiam dois assaltantes que fugiam numa moto. Eles se separaram, mas, alcançados pelos PMs, se renderam e foram imobilizados. Seria o fim de mais um roubo cotidiano se os homens da lei não tivessem executado os suspeitos, ação flagrada em dois vídeos diferentes. Um deles, registrado pela câmera de segurança de um imóvel, mostra Paulo Henrique Porto de Oliveira, 18 anos, saindo de uma caçamba onde estava escondido, tirando a roupa para mostrar que não portava armas, se deitando no chão e sendo algemado. Outros PMs chegam à cena e o que se segue é surpreendente: as algemas são retiradas, o jovem é arrastado para um muro e baleado duas vezes no abdome por um policial. Outro agente corre para a viatura, pega uma arma e a deposita ao lado do cadáver. Enquanto isso, o morador de um prédio próximo flagra por celular o comparsa de Oliveira, Fernando Henrique da Silva, 23, ser jogado do telhado pelo PM Samuel Paes. Momentos depois, são ouvidos dois disparos. Divulgadas as imagens, os 11 policiais envolvidos foram presos a pedido do Ministério Público. “Ficam muito claras duas execuções cruéis, criminosas”, diz o promotor Rogério Leão Zagallo, responsável pelo caso. Para o ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Julio Cesar Fernandes Neves, o episódio mostra que existem batalhões de extermínio atuando na capital à moda dos esquadrões da morte dos tempos da ditadura militar. “Ficou claro que são PMs que saem para matar”, afirma. “Não dá para acreditar que um estado com mais de 800 homicídios em confrontos com a polícia em 2014 não tenha grupos organizados que acham que estão fazendo uma limpeza na sociedade.”

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Sabe-se que muitos agentes que deveriam fazer o patrulhamento das ruas estão tão habituados à carnificina que levam consigo kits-incriminação, para o caso de precisarem responsabilizar as vítimas após os confrontos. Em 2012, o empresário Ricardo Prudente de Aquino, 39, foi assassinado por PMs na Vila Madalena, zona oeste da capital, após supostamente fugir de uma abordagem por portar maconha. O desenrolar das investigações mostrou que os agentes plantaram a droga no veículo. Aquino, afinal, não possuía o perfil de quem leva armas. Os dois mortos do Butantã sim. “Eles saem preparados para fraudar o local do crime” diz Neves.

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FLAGRANTE
Câmera registra PMs matando homem rendido e desarmado
(sequéncia à esquerda) e, à direita, policial joga um
suspeito do telhado. Depois ele seria executado

O Ministério Público e a ouvidoria concluíram que os passos friamente calculados dos policiais, exibidos nos dois vídeos amplamente divulgados, mostram que eles estão acostumados com situações de extermínio. Dois deles já haviam sido envolvidos em confrontos com mortes, mas nenhum chegou à Justiça Militar. Está também sob investigação a ligação das execuções do Butantã com a chacina que aconteceu perto dali, em agosto, e deixou 19 mortos em Osasco e Barueri, zona oeste da Grande São Paulo. PMs são os principais suspeitos pela autoria. Uma denúncia anônima revelou, segundo ISTOÉ apurou, que as pistolas calibre 9mm e .380 usadas para incriminar Oliveira e Silva foram utilizadas na matança do mês passado. As armas foram encaminhadas para o Instituto de Criminalística, mas a perícia só deve concluir se as cápsulas achadas nos locais da chacina saíram ou não das pistolas na semana que vem. Os mortos da zona oeste engrossam uma estatística macabra. Só nos sete primeiros meses deste ano as forças policiais foram responsáveis por 421 homicídios em São Paulo. “Quando a polícia ultrapassa 5% do total de homicídios do estado é preciso entrar em alerta. Nós estamos em quase 20%”, afirma José Vicente da Silva Filho coronel da reserva da PM e especialista em segurança pública.

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INVESTIGAÇÃO
Os policiais Tyson Oliveira Bastiane e Silvano Clayton dos Reis, envolvidos
nas execuções do Butantã, depõem na quarta-feira 16

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O estado de São Paulo, infelizmente, não está sozinho nesta trágica realidade. Os esquadrões da morte são pestes que infestam as forças de segurança brasileira – muitas vezes com respaldo dos mandatários. Os bandos mais famosos começaram a aparecer pouco após o Golpe de 1964, no Rio de Janeiro (leia quadro), e se alastraram para diversos estados do País. Em São Paulo, o policial justiceiro mais conhecido foi o delegado Sérgio Paranhos Fleury, que ganhou fama de linha dura contra o crime e foi logo cooptado para caçar opositores do regime militar, sendo apontado como torturador e autor de vários assassinatos de presos comuns e políticos. “No Brasil esses grupos de extermínio nunca deixaram de existir”, diz o ouvidor Neves. Para ele, prova disso é a morte do coronel da PM José Hermínio, eliminado em 2008 após combater a ação dos esquadrões na zona norte da capital. O caso levou o então governador José Serra (PSDB) a admitir a existências dessas quadrilhas, mas os acusados acabaram inocentados por falta de provas.

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Na contramão das evidências, o secretário de Segurança Pública de São Paulo Alexandre de Moraes minimizou as declarações do ouvidor, classificando-as de “panfletárias”. Neves, no entanto, diz ouvir relatos reiterados da ação desses bandos. “Recebemos denúncias de pessoas atuando em conjunto, por isso a gente acha que existem grupos de extermínio. Infelizmente é a realidade.” Enquanto não reconhecer que policiais promovem com as próprias mãos julgamentos e execuções sumárias de suspeitos, o estado jamais será capaz de mudar essa situação. PMs que matam a céu aberto em plena luz do dia estão certos de que não terão de pagar pelos crimes que cometem. “O destemor tem um fundamento: a certeza da impunidade. A versão que eles contaram ali é a versão que prevaleceria naquele inquérito, porque certamente foi a versão que prevaleceu em outras circunstâncias parecidas”, afirma o promotor Zagallo.

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Fotos: Jorge Araujo/Folhapress 


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