Desiludido com o partido ao qual é filiado há 30 anos, senador decide até o fim do ano se troca de agremiação. Ele acusa os companheiros de terem se encantado com o poder

Quadro histórico do PT, partido no qual milita há 30 anos, o senador Paulo Paim (PT-RS) reproduz em entrevista à ISTOÉ a sensação de desgoverno que capta nas ruas e nos corredores do Congresso Nacional: “Sinto hoje como se nós estivéssemos em uma nau sem rumo e é um perigo. Há uma preocupação de todos com tudo. Perguntam para mim aonde isso vai parar. Mas cada dia o vento sopra para um lado e a gente não sabe mais o que vai acontecer”.

 

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DESESPERANÇA
Para o senador Paulo Paim, o governo Dilma é uma nau sem rumo

 

Na opinião do senador, a solução para que a presidente Dilma Rous­seff recupere prestígio e consiga cumprir mais três anos de mandato seria fazer um “governo de composição” dialogando com os partidos da situação, da oposição, com empresários, trabalhadores e movimentos sociais. Mas, para Paim, uma concertação nacional esbarraria num defeito da presidente da República: “Dilma ouve, mas não escuta”. Ao discorrer sobre os escândalos de corrupção em sua legenda, Paim se diz “constrangido”.

 

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"Os próprios ministros dizem que é muito difícil. A Dilma ouve, mas não escuta"

 

O senador acredita que a agremiação, se continuar como está, vai encolher e chegará às próximas eleições “na terceira divisão”. Desencantado com o partido, o senador gaúcho, para quem Dilma já pediu voto, diz que estabeleceu um prazo até o fim do ano para decidir se permanecerá ou não no PT.  

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"As pessoas voltaram a vender bananas e laranjas
nas esquinas. Fazia muito tempo que eu não via isso"

 

ISTOÉ

 O vice-presidente, Michel Temer, disse que é muito difícil um presidente com índices de popularidade em torno de 7% terminar o mandato. O sr. concorda?

 
Paulo Paim

 Tem lógica. Ele disse que temos que fazer uma composição para arrumar a economia e melhorar a popularidade dela. Se a economia não melhorar, como vamos aguentar um governo assim? Aqui no Congresso mesmo sentimos uma insegurança por parte dos deputados e senadores. Nem eles sabem o que vai acontecer. A insegurança está no ar. Em certos momentos a gente diz: “Olha, deu uma melhorada.” E no outro dia despenca. É uma instabilidade muito grande. Eu sinto hoje como se nós tivéssemos em uma nau sem rumo. E a nau sem rumo é um perigo. Ninguém está tranquilo. Há uma preocupação de todos com tudo. Perguntam para mim aonde isso vai parar. Mas cada dia o vento sopra para um lado e a gente não sabe mais o que vai acontecer.

 
ISTOÉ

  O que o senhor propõe?

 
Paulo Paim

 Ninguém tem uma fórmula perfeita. Se fosse fácil, a gente diria: “Ó, presidenta, faz assim que está resolvido”. Mas também não adiantaria apresentar, porque ela não iria encaminhar. A Dilma ouve, mas não escuta. Ela deveria trabalhar em uma grande composição. Chamar empresários, trabalhadores, parlamentares, partidos da situação e da oposição, mostrar o mundo real da economia e discutir junto com esse coletivo, tipo um “conselhão”, e tentar construir caminhos para fortalecer a produção, o mercado interno e reativar o ciclo de crescimento da economia. Somos milhões de brasileiros perdendo o poder de compra e isso vai travando o crescimento.

 
ISTOÉ

 Como fazer um ‘conselhão’ se ela ‘ouve, mas não escuta’, como o sr. mesmo falou?

 
Paulo Paim

 E isso eu já ouvi de muita gente grande, não só de deputado ou de senador. É coisa de ministro para cima, mesmo. Os próprios ministros dizem que é muito difícil. A Dilma ouve, mas não escuta. Em algum momento, ela vai ter que começar a ouvir e a escutar quem quer ajudar o País. Porque, de fato, ela se isolou demais. Não tem alternativa. Entre o ideal e o possível, o bom senso tem que prevalecer e ela vai se convencer de que é preciso escutar mais.

 
ISTOÉ

 Mas esse momento já não está até ultrapassado?

 
Paulo Paim

 Ela poderia ter escutado antes, mas já que ela não escutou, antes tarde do que nunca. Que escute agora e procure uma política de aliança possível para levar o governo nesses três anos. 

 
ISTOÉ

 Com uma postura tão crítica ao governo e ao PT, o sr. se sente à vontade na legenda?

 
Paulo Paim

 O PT tem que mudar. E se não mudar, é natural que aqueles que estão incomodados se mudem. Tive um choque no ajuste fiscal, que eu chamo de arrocho social, e deixei muito clara minha discordância.

 
ISTOÉ

 O erro da política econômica começou com o atual ministro da Fazenda, Joaquim Levy? 

 
Paulo Paim

 O erro começou lá atrás já, não só com o Levy. Quando disseram que iam desonerar a folha de pagamento da Previdência em 20%, eu disse que isso não iria gerar emprego, apenas um problema de caixa na Previdência. Mas não queriam nem ouvir falar sobre isso. Eu dizia: “Quero ver como é que vocês vão devolver esse dinheiro para a Previdência”, isso na época do (ex-ministro da Fazenda Guido) Mantega. O que fez o Levy logo que assumiu? Disse que aquilo foi uma irresponsabilidade. Deu no que deu. Eu viajei pelo meu estado por esses dias e as pessoas voltaram a vender bananas e laranjas nas esquinas. Fazia muito tempo que eu não via isso.

 
ISTOÉ

 O governo culpou por um bom tempo a crise internacional…

Paulo Paim

 Nós também não nos preparamos para quando isso acontecesse. Ninguém pode negar que o processo eleitoral não contribuiu também para isso que estamos atravessando, né? Passou-se a impressão de que o País estava indo muito bem. Inclusive nós perguntávamos e nos diziam: “Está tudo sob controle, vamos embora, vai dar tudo certo”. E depois das eleições acabou aparecendo que não era bem isso. A economia, os escândalos que vão surgindo e se acumulando e a queda de prestígio da presidente, tudo isso preocupa.

 
ISTOÉ

 Preocupa por que? Pelo fim de uma utopia ou pela falta de perspectiva de poder?

 
Paulo Paim

 Poder não me seduz. Mas, de modo geral, acho que para quem está na base é um desencanto com tudo aquilo que nós pregamos ao longo de nossas vidas. Há um desencanto, há uma tristeza, isso aí não dá para negar. Eram só serpentinas e paetês até um ano atrás e, de repente, em seis meses, nós caímos na real. E isso deixou todo mundo muito preocupado. Qualquer um em sã consciência tem que estar preocupado. Cada fim de semana é um problema.

 
ISTOÉ

 O PT se afastou do povo?

 
Paulo Paim

 O PT tem que mudar sua conduta. Mesmo no poder, deve voltar a olhar para os interesses da população, o que atualmente está muito difícil. Nesta caminhada do PT em direção ao poder houve um descolamento dos movimentos sociais muito forte.

 
ISTOÉ

 O sr. diz que a legenda se descolou dos movimentos sociais, mas e a população que não é organizada em movimentos sociais, mas é carente de Estado?

 
Paulo Paim

 Muitos se sentiram acolhidos nos primeiros dois mandatos do ex-presidente Lula, que eles chamam de uma classe mais pobre que chegou próximo da classe média e que passou a se sentir abandonada porque agora está recuando. Ninguém quer voltar para onde estava no que diz respeito à classe social.

 
ISTOÉ

 Há um descolamento do PT também da classe média?

 
Paulo Paim

 Sim, também da classe média.

 
ISTOÉ

  Está próximo de quem, então?

Paulo Paim

 Não vão ser os mais ricos que vão defender o PT. Acho que quem ainda está dando um certo amparo são os mais pobres mesmo, atendidos pelos programas sociais como Bolsa Família. São eles que mantém a chama viva. Mas a partir do momento em que você já vê problemas no Fies…

 
ISTOÉ

 O governo também estuda cortes ou adiamentos no programa Minha Casa, Minha Vida.

 
Paulo Paim

  Foi um belo projeto. Mas já vi gente entregando a casa porque não pode pagar mais. Tudo isso é um caldo que vai se acumulando e desviando a população da direção do PT.

 
ISTOÉ

 Como avalia as denúncias de corrupção envolvendo quadros importantes do PT? Hoje, a campanha da presidente Dilma também está sob suspeita.

 
Paulo Paim

 Não vou fazer pré-julgamento de nenhum. Fico constrangido de serem tantas notícias ruins em cima de tantos partidos da base, principalmente. Eu não sou daqueles que acha que, se no PSDB tem problemas, eu vou achar que temos que fazer igual. Não, nós viemos para fazer a diferença e não fizemos a diferença. E isso é lamentável.

 
ISTOÉ

 Por que o senhor acha que o PT não fez a diferença?

 
Paulo Paim

 O poder não me seduz, mas alguns se encantaram com o poder. E você não pode achar que vai permanecer doa a quem doer ou que você pudesse ter qualquer postura e que ia se manter no poder por décadas e décadas. Mas a vida não é assim. É mesma coisa com um time de futebol, que em um ano é campeão do mundo e no outro vai para a repescagem para não ir para a segunda divisão. Tem que ter humildade, saber que temos que renovar os quadros. É isso que acho que o PT não entendeu, não preparou lideranças e, a partir do momento em que alguns líderes cometeram atos inadequados, não houve reposição com aqueles que deveriam assumir os lugares nos postos de comando. Se o PT continuar nesse patamar, pode ir para a terceira divisão.

 
ISTOÉ

 Como o senhor acha que será o desempenho do PT nas eleições municipais do ano que vem?

 
Paulo Paim

 Vai ser muito, muito difícil. Pessoas que me encontram até elogiam meu mandato, mas dizem: “Paim, você não vai mais ser candidato pelo PT, né?”. Eu acho que faço um mandato bom. Mas, mesmo assim, acho que terei uma eleição muito difícil em 2018 (para senador). Porque há um descrédito com o mundo da política e com os partidos. Todos terão dificuldade, alguns mais, outros menos.  E o PT está incluído entre estes que terão mais dificuldades. Eu, me dei até o fim do ano para decidir se eu saio do PT e fico sem partido, se participo já das eleições municipais como apoiador em outra legenda, ou se fico onde estou. Mas só fico se o PT mudar.