Vírus de gripe e crise de asma ajudaram na Proclamação da República no Brasil, mas uma vingança amorosa foi determinante – como se vê, a República foi instaurada em condições não normais de emoção, pressão e temperatura. O marechal Deodoro da Fonseca estava de mau humor naquela sexta-feira de 15 de novembro de 1889 quando foi tirado da cama por um grupo de republicanos. Levaram-no até o Campo de Santana, ele destituiu o visconde de Ouro Preto da chefia do Conselho de Ministros e retornou à casa e à cama sem pronunciar uma palavra sequer sobre se derrubara o monarca dom Pedro II. Começou a correr, a partir daí, a notícia de que o senador Gaspar da Silveira Martins substituiria o visconde. Ah Gaspar, Gaspar que anos atrás lhe furtara a mulher amada!… Não, Gaspar, você não assumiria gabinete algum, nem haveria mais Conselho de Ministros – melhor, não haveria mais Império. Deodoro da Fonseca proclamou a República. Nasce ela, assim, mazelada: envolvida já em mazelas, que é sinônimo de passionalidade e doença, expressão tão bem empregada por Fernando Sabino. E nasce desmazelada: sem zelo, mal cuidada e sem rumo.

Proclamada como se fosse “parada militar” e “sem povo”, na observação de Aristides Lobo (Diário Popular, 18 de novembro de 1889), a República padece de mazela grave: a falta de empatia, a incapacidade de os governantes se colocarem no lugar dos governados. Já de início, o povo elegeu como Hino Nacional o “Liberdade, liberdade/abre as asas sobre nós…”, mas Deodoro gostava mesmo daquele que já estava vigorando: “Ouviram do Ipiranga às margens plácidas…”. Ignorou a vontade popular e ficou valendo o de sua preferência.

Como se vê, a falta de empatia é mazela antiga, e suas recidivas andam bravas – uma pontada aguda sentiu-se recentemente com o governo federal tentando esquartejar o décimo terceiro salário de aposentados e pensionistas. Elejo esse exemplo porque o descuido com aposentados traduz bem o fosso entre governo e povo. É preciso cortar gastos? Mexe-se com os velhinhos, afinal a osteoporose (doença de 15 milhões de brasileiros) não aguenta marchar, com o número do benefício nas mãos, em direção ao Palácio do Planalto. Em São Paulo houve grupo de oração na igreja de Santo Expedito, e o santo é forte: o governo resistiu mas voltou atrás. O fato de ele ter proposto o parcelamento, no entanto, já expõe uma República mazelada e desmazelada. Aposentado precisa do caraminguá mirrado para comer, ir ao médico, pagar casa de repouso, e daqui a pouco vai ter de pagar a própria necropsia se morrer na “saidinha” do banco. Outro exemplo da carência de empatia é a greve dos funcionários do INSS, sem que o governo tenha autoridade para mandá-los trabalhar, mesmo com a lei a dizer-lhe que a paralisação é ilegal.

Há um genial partido alto de Martinho da Vila que diz “canta alto/canta forte/que a vida vai melhorar”. Bênção Martinho! Quando é, no entanto, o governo federal que diz, aí não creio porque parece outra recidiva: a da mentira da dialética stalinista que deturpou Hegel e foi seguida por muitos que se instalam ou se instalaram há pouco no Palácio do Planalto (um deles dá expediente hoje no Instituto Médico-Penal, em Pinhais). É mais saudável retrocedermos à dialética de Heráclito que nos ensina que “nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio”. Até porque está faltando água no País, rios estão secando e, graças a Deus, esse governo federal vai passar e não mais voltará. 


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