A paraense Berna Reale era funcionária do Instituto de Medicina Legal de Belém quando decidiu que tentaria pela última vez se inscrever no projeto Rumos, do Itaú Cultural. Criadora de performances provocativas que tratam em linguagem contemporânea da violência contra a mulher, ela não conseguia espaço no meio artístico. “Se você é paraense, o mundo espera que você faça cerâmica, pinte jangada ou no máximo mostre fotografias da população ribeirinha, que é o que o mundo pensa que resume o que é a região Norte brasileira”, conta a artista, que representou o Brasil na Bienal de Veneza deste ano, o maior e mais importante evento de arte contemporânea do mundo.

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PERFORMANCE RECONHECIDA:
A artista paraense Berna Reale teve o seu primeiro trabalho
apoiado pelo Itaú, em São Paulo, em 2012

O projeto Rumos foi criado em 1997, momento em que a cultura brasileira crescia estimulada pelas políticas de incentivo fiscal. A primeira meta do programa foi incentivar a produção artística brasileira realizada fora o circuito Rio-São Paulo. Berna Reale teve a primeira grande mostra de seu trabalho montada pelo Itaú em São Paulo, em 2012, tornando-se a partir de então uma referência internacional de performance (seu apelido nos grandes centros de arte é Marina Abramovic do Pará). A história da artista – uma entre mais de 1,3 mil contemplados pelo programa – é uma amostra de que a etapa descentralizadora funcionou. Na edição mais recente, das 15 mil inscrições recebidas pelo Itaú Cultural, 2,6 mil eram do Nordeste, 8 mil do Sudeste e 1,8 mil do Sul.

Sem recorrer aos descontos fiscais que poderia, o Itaú Cultural hoje investe cerca de R$ 12 milhões em cada seleção anual, em uma forma de patrocínio que varia de acordo com a proposta. A escolha é feita por uma comissão composta por gerentes de área da instituição e representantes da sociedade convidados, todos profissionais ligados à cultura. Na sede do Instituto, na avenida Paulista, em São Paulo, o público pode conhecer os cem projetos contemplados este ano, em mostras abertas ao público e lançamentos que acompanham a realização. Entre eles, um livro em que Nuno Ramos, um dos maiores artistas plásticos brasileiros, escreve sobre o seu processo criativo, e outro, que mostra o colorido movimento gastronômico realizado pelas comunidades da favela da Maré, do Rio de Janeiro. “A ideia é mesmo aproximar a expressão de grandes ícones e gente desconhecida”, diz Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural.

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Um salto recente do programa custou muito pouco e multiplicou os beneficiados a mudança do formulário de inscrição. “Percebemos que os artistas e produtores estavam formatando seus projetos para se encaixar melhor no edital. Muitas peculiaridades ficavam de fora de uma proposta para que ela pudesse ser enquadrada nos formulários”, conta Saron. Hoje, para se inscrever no Rumos, o interessado precisa apenas responder a um questionário. “Isso permite, ao mesmo tempo, avaliar os projetos e mapear as áreas que estão melhor desenvolvidas e as que precisam de mais estímulo. Assim, além de aproximar o artista ou produtor sem experiência com editais, também conseguimos saber quais linguagens estão crescendo ou diminuindo. Usamos essa informação para traçar os demais projetos do Itaú Cultural.” Se neste ano o Brasil foi representado na Bienal de Veneza por uma artista que usa o corpo nu em instalações a céu aberto é porque o Itaú Cultural soube por meio do Rumos que, ao contrário do que se pensava, nem só de cerâmica e personagens ribeirinhos se faz arte no Norte do País.