Desde a semana passada, qualquer chefe de estado que entre no hall da Assembléia Geral da sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York, é recebido por 14 metros quadrados de cores vivas, uma interpretação dos pinceis de Candido Portinari para o sofrimento humano gerado pela guerra. O painel “Guerra” retomou o posto que foi seu por quase 70 anos no edifício da ONU. O seu complemento, o mural “Paz”, de tamanho idêntico e sentido oposto, por sua vez, reassumiu a missão de encerrar a visita ao edifício, na parede oposta, mostrando a vida e alegria de uma população livre de conflitos e da violência. A mensagem é clara e traduz a missão da instituição criada no final da Segunda Guerra Mundial: dissolver os conflitos e promover o bom entendimento entre os países.

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PERCURSO
Painel composto por murais de mesmo tamanho e sentidos opostos
indica o caminho desejado para todo o conflito, a conciliação

A obra criada pelo pintor paulista morto em 1962 estava fora do prédio da ONU desde 2010. As grandes telas de madeira compensada naval voltaram para o Brasil naquele ano para se submeterem a um minucioso restauro. A permanência de mais de meio século sob incidência de luz solar que atravessam os vitrais desenhados por Oscar Niemeyer comprometeu as expressivas cores, uma das marcas da pintura do Portinari. Recuperados, os painéis foram exibidos no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Belo Horizonte e Paris.

As telas voltaram ao seu destino, a ONU,em 2014, mas permaneceram cobertas com um grande véu até a semana passada. A vidraçaria do prédio recebeu uma película protetora, que a partir de agora impedirá a deterioração da superfície da pintura pelos raios solares. Uma cerimônia homenageou o artista plástico no dia da retirada do véu.

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ARQUEOLOGIA DE CORES
A restauração de "Guerra e Paz" retirou uma camada esbranquiçada
causada pelo contato da luz solar com a superfície das telas.

Portinari foi um dos grande pintores da miséria e das desigualdades sociais no Brasil. A seca, a fome e o desespero de famílias foram matéria também de outras de suas criações famosas, como “Retirantes” e “Criança Morta”. Não por outra razão, o secretário-geral da ONU, Ban Ki- Moon, chamou o artista brasileiro de visionário e pediu um minuto de silêncio em sua homenagem. O pintor não consegiu fazer parte da primeira inauguração. Homem de esquerda, não obteve o visto de entrada para os Estados Unidos, que viviam sob o macartismo, política de combate feroz a qualquer suspeita de comunismo.

O filho do autor do painel, João Candido Portinari, responsável pela o legado do pintor, tinha pensado em um projeto muito maior para a reinauguração de “Guerra e Paz”. Sua vontade era criar instalações que ocupassem as ruas da cidade americana com personagens criados por seu pai, muitos deles imigrantes. A única parte do projeto que conseguiu por em pé foi exibição de um filme realizado por Bia Lessa em homenagem ao pintor expressionista, aplaudido de pé por representantes das nações que voltam a se ver retratados na grande obra prima.

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SEM VISTO
Candido Portinari (acima, pintando o painel nos anos 1950) não
compareceu à inauguração de "Guerra e Paz". O pintor teve o visto
negado por suas posições políticas de esquerda

Foto: Stefan Hess