Quando a família real portuguesa desembarcou na praça XV, em 1808, no Rio de Janeiro, trouxe com ela o benefício do desenvolvimento e, também, o toma lá dá cá político. Fugindo do país de origem, sob ameaça de invasão pela França, mal D. João VI botou os pés em solo brasileiro já deu início à troca de favores com a Inglaterra – que pagava impostos muito menores para aqui comercializar seus produtos –, além de ter aceitado casas e outros luxos de traficantes de escravos em troca de títulos de nobreza e benesses em negócios. Em contrapartida, o Brasil, na época um país de analfabetos, começou a prosperar com a imediata abertura dos portos, promovida na orla carioca. E é parte dessa zona portuária, que passa há anos por um processo de recuperação, que acaba de ser devolvida à população. No domingo 6 foi inaugurada a nova Praça Mauá, um dos antigos atracadouros para exportação e importação que tanto impulsionaram a economia nacional. Símbolo de um Rio colonial, sua revitalização traz à tona uma parte importante da história brasileira.

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Quando da chegada da família real portuguesa, o Rio não passava de um conjunto de 71 ruas onde viviam 60 mil habitantes, mais da metade deles escravos. No Brasil, a riqueza estava nas mãos de poucos latifundiários. “D. João chegou visando transformar a cidade na capital de sua potência”, afirma o historiador e diplomata gaúcho Fernando Garcia. Para isso, alagados e mangues que tomavam conta da atual região portuária foram aterrados para a expansão da cidade. Na esteira, surgiram espaços como o Cais do Valongo, construído em 1811 para afastar o comércio de escravos do Paço Imperial – área nobre, de circulação da corte e da burguesia. Paralelamente, foram construídas instituições de ensino e justiça.

Durante a primeira república, no começo do século XX, a cidade perdeu as feições de vila imperial para tomar dimensões de metrópole. Em uma nova reforma, em 1929, as praças da área portuária e centro se tornaram símbolo de modernidade e ponto de encontro da elite. “Era uma região frequentada pela nata da sociedade”, diz o historiador Antônio Edmilson Rodrigues, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “De um lado da avenida estavam as lojas onde os ricos compravam passagens de navio, do outro havia o núcleo da alta cultura, com o Theatro Municipal.” Na bucólica Avenida Central, que ligava o porto à zona sul, circulavam senhores de cartola e mulheres com sombrinhas para ver as vitrines das butiques mais caras. Nesta época, na Praça Mauá, construiu-se o primeiro arranha-céu do Brasil, o edifício do jornal “A Noite”. Mas com a transferência da capital nacional para Brasília, nos anos 1960, a região entrou em decadência. Não por coincidência, neste período foi inaugurado o elevado perimetral, um viaduto que ligava o centro à zona norte e jogou uma imensa sombra sobre a orla.

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Com a reforma, o viaduto foi derrubado para dar lugar a um calçadão (leia quadro). E mesmo para quem comandou a repaginação da Praça Mauá, o resultado surpreende. “Desde que idealizei a derrubada da Perimetral, a construção do Museu de Arte do Rio (MAR) e do Museu do Amanhã, já imaginava que a Praça se tornaria um ícone, mas confesso que ver a obra pronta e cheia de cariocas encantados é muito emocionante”, disse à ISTOÉ o prefeito Eduardo Paes. Segundo ele, o que se vê agora é o início de um grande boulevard, que vai da avenida Rodrigues Alves até a Praça XV. “Desta forma, vamos definitivamente devolver ao Rio um de seus grandes cartões postais, que estava escondido embaixo daquele viaduto.” Não deixa de ser curioso pensar que, se na segunda metade do século XIX a região era tomada por estivadores, brevemente contará com o moderníssimo Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), uma espécie de bonde sem a parafernália elétrica. 

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Profissionais de arquitetura, patrimônio e historiadores acompanham as mudanças e as possibilidades de desdobramentos do lugar que remete ao começo da sociedade brasileira. “Vamos observar como esse porto será trabalhado, com enormes torres comerciais e um núcleo de museus. Não só de turismo se faz uma vizinhança, vai ser preciso incluir estruturas como pequenos negócios de rua, que compõem o cotidiano de um bairro, para que funcione a parte habitacional”, diz Cêça Guimaraens, professora de pós-graduação em arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na reinauguração da Praça Mauá, abriu-se espaço para as novidades, literalmente. De quatro mil metros quadrados, a praça passou a contar com 25 mil, alcançando o mar.

Foto: Pablo Jacob /Ag. O Globo 


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