Trovejou forte sobre a economia brasileira na semana passada. Não só caíram as Bolsas daqui, como o dólar subiu de R$ 1,85 para R$ 1,94, no dia 26. Esta alta no câmbio significa um aumento de 5% sobre bens e insumos importados ou com preços vinculados ao mercado internacional. E pode somar-se aos efeitos do aumento do preço do petróleo para determinar o reajuste nos combustíveis antes do fim do ano (10% na refinaria e 7% na na bomba, prevê a Fipe, instituto ligado à Universidade de São Paulo).

Há nuvens cinzentas ao Norte: persiste a instabilidade das Bolsas dos EUA e se agrava a crise do Oriente Médio, aumentando a percepção de risco em todo o mundo e dificultando a vida de países que já eram vistos como apostas mais ou menos temerárias. Mas neste momento, nos afeta mais a tempestade que se arma no vizinho do Sul.

O governo argentino tentou escapar da crise com mais um pacote, anunciado na segunda-feira 23. Cortou impostos em cerca de US$ 600 milhões com a esperança de reativar os investimentos. Foram reduzidos impostos sobre empréstimos tomados por empresas e tarifas sobre veículos e bens de capital importados. A propriedade pessoal de ações ficou isenta de tributação. Empresas que realizarem novos investimentos ganharão um desconto no IVA – equivalente aos nossos ICMS e IPI. Devem se beneficiar dessa última medida principalmente construtoras, operadoras de telecomunicações e grandes indústrias. Como estímulo adicional à construção civil, foi criado um seguro para cobrir até seis prestações no caso de o mutuário perder o emprego, ao custo de 0,5% sobre o financiamento.

Para anunciar o pacote, o governo foi buscar o aval do mais conhecido ex-ministro da área econômica, Domingo Cavallo. Ele voltou ao prédio do Ministério da Fazenda pela primeira vez desde sua demissão, em 1996, e foi recebido pelo ministro José Luis Machinea com a pompa usualmente reservada a emissários do FMI. Só para dizer que o pacote vai “na direção certa”.

As medidas têm como objetivo reduzir o custo do investimento na Argentina entre 3% e 4% ao ano, o que, segundo o jornal Clarín, “é a cenoura que Machinea encontrou para enfrentar o Brasil na concorrência para captar projetos de investimento”. Até o início deste ano, segundo estudo da União Industrial Argentina, cerca de 100 empresas (incluindo Delphi, Fiat, Varga, Nabisco, Pirelli, Firestone) haviam transferido parte ou toda a sua produção para o Brasil, levando dez mil empregos. A cenoura seria suficientemente saborosa para deter ou mesmo reverter esse fluxo? Talvez, se o problema fosse realmente uns poucos pontos porcentuais no custo do dinheiro, mas vai além.

A paridade fixa com o dólar foi concebida como uma maneira de engessar a moeda por alguns anos, até que o país se tornasse suficientemente competitivo para sustentar uma economia saudável. No entanto, a produtividade não cresceu o suficiente para compensar a supervalorização do peso argentino, problema que se agravou desde a desvalorização do real brasileiro. Segundo o diretor para o Mercosul da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Mário Mugnain, “para manter o câmbio, a Argentina precisa de ganhos de produtividade de 20% a 30%”. Como isso não parece viável a curto prazo, as empresas preferem simplesmente transferir-se para onde o custo já é mais baixo.

A previsão de crescimento econômico para este ano já foi reduzida dos 4% iniciais para 0,7%. E analistas de bancos de investimento de Wall Street, considerando difícil a rolagem da dívida argentina em 2001, já recomendam a seus clientes não comprar bônus do país. Um ex-presidente (1983-1989), Raúl Alfonsín, propõe a desvalorização; outro (1989-1999), Carlos Menem, a dolarização total da economia.

Ao agravamento da situação econômica soma-se a crise política. O vice-presidente argentino Carlos “Chacho” Alvarez renunciou dia 6 de outubro, insatisfeito com a manutenção dos ministros acusados de subornar senadores para aprovar uma lei de “flexibilização” trabalhista desejada pelo governo. O partido peronista já fala em antecipar eleições, lançando dúvidas sobre se o presidente Fernando De La Rúa conseguirá dar continuidade ao mandato.

Mal digerido – Depois de dez meses de ortodoxia rigorosa, fixada na redução do déficit público, o novo pacote soa como meia-volta drástica, se não como perda de rumo. O presidente De la Rúa, vale lembrar, iniciou seu governo com um pacote aumentando impostos sobre ganhos e bens pessoais e criando novas taxas para produtos e serviços, incluindo bebidas, cigarros, transporte público e chamadas de celulares, num valor total de US$ 1,9 bilhão. Há alguns meses, para tentar manter o déficit público dentro dos limites negociados com o FMI, o governo argentino cortou despesas de universidades e órgãos públicos, até 15% dos salários de servidores públicos e até 50% de aposentadorias, num total de US$ 78,2 milhões mensais – e, ao que tudo indica, mesmo assim não vai cumprir a meta.

O novo pacote não foi bem recebido no mercado financeiro. A bolsa argentina caiu e, no dia seguinte ao anúncio das medidas, o governo, para colocar mais US$ 650 milhões de dívida no mercado, teve de pagar taxas de juros até 2,4% superiores às da emissão anterior, ameaçando anular a suposta redução de custo proporcionada pelo pacote. Só com essa colocação, o governo argentino teve um gasto extra de US$ 12 milhões, maior do que o valor do suposto suborno dos senadores. Os bônus argentinos passaram a custar 0,5% ao ano mais que os do Brasil. Seis bancos privados aceitaram oferecer uma linha de crédito para garantir o pagamento de dívidas do governo até o fim deste ano, mas a um custo 1% maior do que o governo vinha pagando.