A cena emblemática do presidente peruano Alberto Fujimori na terça-feira 24 correndo de um lado para outro cercado de soldados das Forças Armadas em Chaclacayo, a 30 quilômetros de Lima, era digna de um filme de ação de Hollywood. A caçada armada pelo presidente era supostamente para capturar Vladimiro Lenin Montesinos, o ex-chefe informal do Serviço Nacional de Inteligência (SIN). Montesinos teria regressado inesperadamente ao país depois da recusa do seu asilo político negado pelo Panamá, onde permaneceu por 28 dias. O ex-assessor tinha deixado Lima depois de tornar-se o pivô da maior crise no Peru desde o autogolpe de Fujimori em 1992. O ex-braço direito do presidente é acusado por grupos de defesa dos direitos humanos de ser o mandante de torturas, homicídios e coação contra os opositores do fujimorismo nos últimos dez anos. A eminência parda do governo peruano apareceu num vídeo divulgado na televisão pagando US$ 15 mil ao deputado de oposição Alberto Kouri em troca de apoio ao situacionismo. O vídeo foi o estopim da crise, agravada desde as inúmeras denúncias de fraudes nas eleições que deram o terceiro mandato a Fujimori em maio deste ano. Depois da denúncia, milhares de peruanos saíram às ruas exigindo a condenação de Montesinos e a renúncia do presidente. Num golpe de mestre, Fujimori acabou anunciando a convocação de novas eleições para o ano que vem e seu homem forte foi salvo ao fugir para o Panamá.

Reuters

O retorno de Montesinos provocou novos abalos sísmicos no país andino. A oposição afirma que a busca coordenada pelo próprio Fujimori não passou de uma “pantomima”. Depois de um dia de caça, o presidente apareceu de mãos vazias. Um sinal de que não passou de armação foi o fato de o avião de Montesinos ter pousado na madrugada da segunda-feira 23 em uma base militar em Pisco, a 242 quilômetros da capital. Segundo o jornal La República, o regresso do ex-chefe do SNI teria sido articulado pelo ministro da Defesa do Peru, o general Carlos Bergamino. Ao desembarcar, Montesinos concedeu uma entrevista a uma rádio, afirmando ter voltado para escapar da perseguição de grupos terroristas peruanos, como o maoísta Sendero Luminoso. “Regressei porque iam me matar”, alegou. Ele também disse que não regressou “para desestabilizar nem atentar contra a democracia”. Prometeu manter-se distante do cenário político e avisou que irá dedicar-se ao exercício do direito. Antes de subir meteoricamente ao poder, o ex-chefe da espionagem defendia chefões do narcotráfico. Depois dessa entrevista, ninguém soube mais dizer sobre o paradeiro de Montesinos.

Tom e Jerry – Para dar autenticidade à brincadeira de gato e rato, o presidente fez uma andança por seis unidades militares no país sob as luzes das televisões e câmeras fotográficas. Revoltada, a população peruana voltou às ruas de Lima para protestar contra o regresso de Montesinos. Correram rumores de um golpe militar. Isso porque o ex-chefe do serviço secreto foi o principal elo de ligação entre o presidente peruano e a cúpula militar e colocou no governo oito generais.

AFP

Abrindo ainda mais a fenda da crise peruana, o vice-presidente Francisco Tudela renunciou. Ele discordou do projeto que concede anistia a civis e militares em casos de violação de direitos humanos cometidos entre as décadas de 80 e 90. O projeto, aprovado dias antes da volta de Montesinos, parece ter sido elaborado somente para livrar a pele do ex-assessor. A renúncia de Tudela fez com que o presidente convocasse uma reunião de emergência com os comandantes do Exército, da Marinha e da Força Aérea e a presidente do Congresso, Marta Hildebrandt. Para acalmar a fúria da população peruana, o mandatário disse que exerce “o total controle militar como chefe das Forças Armadas”.

Enquanto Fujimori percorria o país, governo e oposição debatiam a portas fechadas. Na mesa de negociações, com a presença do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), César Gavíria, acertaram que na próxima semana o Congresso deverá aprovar o fim dos mandatos presidencial e parlamentares que deveriam ser concluídos apenas em 2005. Os negociadores também fixaram a data das próximas eleições para o dia 8 de abril de 2001. Porém, o candidato presidencial, Alejandro Toledo, que perdeu as eleições fraudulentas, insiste na renúncia de Fujimori. O governo brasileiro, que admitiu ter negociado com o Panamá o exílio de Montesinos, está de olho na crise do vizinho. O chanceler brasileiro, Luiz Felipe Lampreia, afirmou que “há uma forte preocupação com a hipótese de que haja ameaça à ordem no Peru”. E em mais uma cena teatral, o congressista Alberto Kouri que recebeu propina de Montesinos, ameaçou na sexta-feira 27 deixar o país. A pantomima continua.