A paz reinava em Israel quando ISTOÉ acertou uma entrevista com a tenente-general Yudith Ben Natan, com viagem marcada para o Brasil. No momento em que a oficial desembarcou no País, um dos piores conflitos da história de Israel já havia deixado um saldo de 130 mortos – a maioria palestinos. Afastada do Exército há seis anos, Yudith, 50 anos, romena, casada, é hoje diretora do colégio Ayanot, a 20 quilômetros de Tel-Aviv. Ela passou pelo Brasil para promover o intercâmbio de alunos da sua escola com estudantes judeus e não-judeus do mundo inteiro. A entrevista aconteceu na segunda-feira 23, na sede da organização feminina judia Naamat Pioneiras, em São Paulo. Minutos antes de terminar o seu relato, a general foi avisada sobre um possível atentado à bomba na Federação Israelita de São Paulo. Temendo um atentado, ela pediu à repórter da ISTOÉ que o seu nome não fosse mais publicado e que fosse devolvido o filme fotográfico. O clima ficou tenso. Yudith insistia em dizer que não tínhamos idéia do que os palestinos são capazes de fazer. Receou deixar órfãos os seus quatro filhos. A revista se comprometeu a não publicar a imagem do seu rosto. Antes de saber do atentado, Yudith afirmou que o medo é relativo. A general contou que ao embarcar para São Paulo lhe recomendaram muito cuidado, porque o Brasil é um país violento. No final, descobriu-se que nunca houve atentado e que a maleta deixada no prédio da federação continha ferramentas e não explosivos. Foi esquecida ali por um ferramenteiro distraído, que, intimidado com a presença do grupo de resgate Gatt, mandou um amigo buscá-la. Yudith tem razão. O medo é mesmo relativo.

ISTOÉ – O que veio fazer no Brasil?
Yudith Ben Natan – Hoje sou educadora e para mim é importante que jovens judeus conheçam Israel e entendam a problemática desse país, sentindo-se também parte dele. É importante que venham viver em Israel e trocar experiências com outros jovens.

ISTOÉ – Como explicar a esses adolescentes brasileiros o conflito israelense?
Yudith – Tem um ditado que diz que ser judeu é difícil, mas é interessante. Indo além dessa expressão, essa é uma vivência única: estar lá fora, com jovens da mesma faixa etária, com uma vida independente e ainda convivendo com a sociedade israelense.

ISTOÉ – A sra. alcançou um alto cargo no Exército de Israel e também já foi chefe da divisão feminina. Quais as aspirações dessas oficiais?
Yudith – A primeira aspiração dos soldados, sejam homens ou mulheres, é alcançar a paz e chegar a um ponto em que não seja mais necessário um Exército. Que haja somente a polícia e leis para cuidar dos civis. Outro desejo é de que exista igualdade de direitos entre homens e mulheres. Que cada um faça seu trabalho não de acordo com o seu gênero, mas com sua capacidade. Espero que esta igualdade existente no Exército chegue à sociedade civil.

ISTOÉ – Em Israel, Exército e sociedade civil se fundem. A sra. acredita que eles devam estar separados?
Yudith – A relação do Estado com o Exército nasceu em 1948 quando os países árabes atacaram Israel. Cada imigrante que desembarcava do navio recebia uma arma e era mandado para a guerra para defender o país que estava nascendo. Entendeu-se então que o Exército não significava apenas um agrupamento de soldados, mas também era administração. E assim recrutaram mulheres para exercer outras funções. Não foi nossa escolha construir a sociedade israelense e o Exército juntos. Mas como não havia paz entre Israel e seus vizinhos, não tínhamos outra opção. Israel hoje quer ser como qualquer outro país, com uma polícia forte apoiada em um sistema legislativo que impeça a anarquia.

AFP
A general diz que Sharon (acima) tem o direito de visitar a Esplanada das Mesquitas e é Arafat quem manda as crianças palestinas combaterem o Exército de Israel

ISTOÉ – O que pensa sobre Ariel Sharon, militar e líder político do Likud (de direita e oposicionista ao governo) e de sua visita à Esplanada das Mesquitas, lugar sagrado para muçulmanos e judeus?
Yudith – Ariel Sharon é o chefe de um partido em um sistema democrático e foi eleito por parte da população. Em um país democrata, respeita-se a escolha do povo. E todo cidadão no Estado de Israel pode visitar qualquer lugar em seu país.

ISTOÉ – Um rabino brasileiro disse que Sharon foi à Esplanada com a intenção de unir a direita e ganhar poder. Nesta semana, Barak já o convidou para fazer uma coalizão. O que acha da atitude do primeiro-ministro?
Yudith – Não estou próxima nem de Barak nem de Sharon e não falo sobre o que eu não sei.

ISTOÉ – Os soldados israelenses estão preparados para combater civis? Como fica o caso dessas crianças palestinas que estão morrendo no conflito?
Yudith – Um Exército está pronto para combater outro Exército. O que você tem que perguntar é o que uma criança de oito anos fazia no meio da guerra, na Faixa de Gaza. Ela não estava lá com a sua mochila, indo para a escola. Estava jogando pedras, coquetéis molotov. Soldados não devem lutar contra crianças. Arafat percebeu e por isso mandou crianças e não adultos para o front. Nota-se nas fotos que elas têm entre dez e 15 anos. São as crianças que estão indo para a guerra. Quando vamos invadir uma casa, por exemplo, primeiro se avisa, para que não haja perda de vidas humanas. Nós não queremos matar árabes. Queremos viver com eles em paz e ainda chegará o dia em que os teremos como bons vizinhos.

ISTOÉ – É culpa do líder da Autoridade Palestina, Yasser Arafat, a participação dessas crianças nos confrontos?
Yudith – Eu não sei se Arafat manda nesses movimentos ou em todo o sistema. Mas a realidade é essa. Queremos viver em paz, sermos bons vizinhos. Mas também não podemos deixar que os palestinos nos matem. Com a força das armas não vamos chegar a nada. A gente só atira quando não há outra opção. O país é forte nas armas, mas não quer matar. E é pena que muitos morram nesse caminho até que se chegue à paz. Quando não havia paz com o Egito e a Jordânia também muitos morreram.

ISTOÉ – Arafat controla as suas milícias?
Yudith – Não sei. Pergunte a ele. Espero que sim.

ISTOÉ – Qual é o melhor caminho para a paz em Israel?
Yudith – O caminho para se chegar à paz é o conhecimento mútuo. Quando isso acontece, nota-se que os outros não são tão diferentes assim. Se pudéssemos neutralizar a influência dos grupos que têm interesse em que a paz não aconteça, seria muito bom. Projetos em comum poderiam ser uma dádiva para os dois povos. Já existem escolas onde estudam árabes e judeus e não há nenhum problema entre eles. Queremos que o homem respeite o homem, independentemente de quem ele seja. Infelizmente, nesses países árabes, incluindo os territórios ocupados, há muito ódio contra os judeus. Oxalá isso acabe. Perdemos gerações em guerras. Uma mãe judia ou uma mãe palestina não quer ver seus filhos no conflito, quer vê-los na escola. Queremos educar para a democracia. Educar para a paz.