O secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, pernambucano e torcedor do Sport Clube do Recife, vibrou com a escolha de Émerson Leão, técnico do seu time do coração, para dirigir a Seleção Brasileira. Com receio de cobranças e de devassas, vários técnicos recusaram a missão de comandar o time do Brasil antes que o ex-goleiro fosse escalado. Leão, cujo comportamento começa a ser criticado por ex-companheiros de profissão como Sócrates (leia entrevista à pág. 7), substituiu o treinador Wanderley Luxemburgo. Além dos fiascos em campo, o ex-técnico é acusado de receber dinheiro de empresários, esconder R$ 3 milhões em rendimentos e sonegar à Receita R$ 1,4 milhão em impostos e multas. Ao fazer campanha pela escolha de Leão, Everardo não deve ter olhado as listagens da própria Receita: apostava apenas na capacidade do técnico para treinar craques e assegurar a classificação à Copa do Mundo em 2002. Mas para os fiscais da Receita, Leão já está no vermelho. Como Luxemburgo, o novo técnico da seleção também caiu na malha fina. Foi autuado em R$ 300 mil, incluindo imposto de renda devido, multa e juros. Também como Luxemburgo, está recorrendo ao Conselho de Contribuintes na tentativa de escapar da mordida do Leão.

Mesmo tendo duas fazendas de gado em Barra do Garças (MT), Leão atraiu a atenção dos fiscais da Receita por seus rendimentos como técnico. Ele foi autuado pelo Fisco em São Paulo, acusado de omitir ganhos de R$ 600 mil que teria obtido há três anos como treinador no Japão. Na quinta-feira 19, quando deu uma entrevista coletiva para anunciar seus planos como técnico da seleção, Leão fez questão de dizer que, ao contrário de Luxemburgo, tem um ótimo relacionamento com a Receita. “Sei que o último treinador teve problemas, mas tenho convivido bem com o Fisco. Já fiz até propaganda para a Receita Federal, representando o Leão. Agora, deixei de ser anônimo e serei mais vigiado.” O que ele não disse é que há tempo vem sendo vigiado e inclusive punido pelo Fisco. A assessoria de Leão informa que as pendengas fiscais do técnico estão entregues a seus advogados.

De público, Everardo não confirma nem desmente a informação de que Leão foi autuado, mas ele está chateado por ter feito campanha pelo técnico. O secretário da Receita chegou a ser alvo de brincadeiras de seus subordinados quando eles descobriram que o novo técnico da seleção também está pendurado no Fisco. “Tudo bem que vocês autuem, mas rir da minha cara não pode”, reclamou. O Sport também foi autuado em R$ 2,1 milhões há cerca de dois anos. Alarmado, o secretário mandou fazer um levantamento completo da situação dos clubes e jogadores da primeira divisão no País, que vai entregar à CPI do Futebol no Senado. “No Rio Grande do Sul, onde a rivalidade entre o Grêmio e o Internacional é muito grande, estou pensando em mandar fiscais gremistas para cuidar dos colorados e vice-versa”, brinca.

Cartolagem – O técnico Leão ainda não entrou na mira da CPI do Futebol. Mas a CBF, Luxemburgo e a Traffic Assessoria e Comunicações – empresa que intermediou o polêmico contrato de patrocínio da seleção com a Nike – tiveram seus sigilos bancários quebrados. Com menos ligações com a CBF, a CPI do Senado saiu na frente da Comissão da Câmara e promete ir mais fundo na investigação do submundo do futebol. O único senador integrante da CPI com vínculos ostensivos com a cartolagem é o goiano Maguito Vilela (PMDB), que foi vice-presidente da CBF. Na Câmara, é diferente. Nada menos que sete deputados ligados a clubes de futebol se escalaram para tentar ditar os rumos das apurações. Tudo sob o comando do vice-presidente do Vasco, deputado Eurico Miranda (PPB-RJ), um dos homens fortes do futebol e também alvo dos senadores.

Eurico Miranda terá dois papéis, de investigador na Câmara e investigado no Senado. Os senadores aprovaram a convocação do deputado-cartola para explicar a venda pelo Vasco do tetracampeão mundial Bebeto ao La Coruña, da Espanha. A venda do jogador – uma transação considerada irregular pelo Banco Central, que resolveu multar o Vasco em R$ 1,3 milhão – é um dos 80 negócios feitos por 22 clubes, todos investigados por suspeita de fraude cambial. O Departamento de Combate a Ilícitos Cambiais e Financeiros do BC deu por falta de US$ 44 milhões na contabilidade dos clubes. A esculhambação chegou a tal ponto que o governo pretende mudar a legislação sobre a venda de jogadores para o Exterior, numa tentativa de moralizar esses negócios.

Além de clubes, cartolas, jogadores e técnicos, as CPIs prometem investigar os empresários que fazem a intermediação das milionárias transações no mundo do futebol. Estão na lista J. Hawilla (dono da Traffic), Juan Figger, Jorge Machado e Helena Landau, a papisa do processo de privatização no País. Toda essa disposição investigatória terá de driblar o forte lobby da cartolagem. Em março de 1999, depois de subscreverem requerimento pela criação da CPI da Nike, nada menos que 35 deputados retiraram as assinaturas. Foi um recuo organizado: todos preencheram formulários idênticos, inclusive nos erros de grafia. Um deles foi o deputado Nelo Rodolfo (PMDB-SP), que agora conseguiu se escalar como 1º vice-presidente da CPI, apesar de suas ligações com o Palmeiras.